No início da semana passada minha mãe ligou: “Tava pensando em fazer para o final de semana uma torta de limão com aquela base de bolacha, como será que eu poderia fazer?” – A tal base de bolacha que minha mãe faz é uma velha conhecida, é da infância, ela faz desde sempre e foi sempre essa a referência que tive de torta de bolacha (sem camadas e bem diferente das que conhecemos) – conto sobre ela em outro momento.
Porque hoje… Hoje eu quero contar sobre como cozinhei com a mamma mesmo estando do outro lado do oceano.
Distraída, não lembrei que a ideia de fazer uma torta de limão se referia ao Dia dos Pais e que para este dia ela queria preparar algo diferente. Então, depois que fui puxada de volta ao mundo das datas, a mãe começou a descrever como havia pensando em executar a torta.
Pensei um pouco e disse, “nunca fiz torta de limão mas acho que você pode fazer assim: castanhas demolhadas, óleo de coco, suco de limão, raspas e melado.”
“E não precisa cozinhar o creme?”, ela perguntou.
‘Não mãe, é tudo cru.”
“Acho que vou fazer.”
Foi mais ou menos assim que começamos a criar juntas uma receita – sem receita – de torta de limão.
No sábado liguei para ela que, primeiro não tinha posto as castanhas em água e depois, durante a preparação, esqueceu de colocar o óleo de coco no creme. Mas no final saiu a torta que ficou descansando na geladeira até o dia seguinte, quando então, segundo ela, foi quase totalmente devorada no início da tarde de um domingo de Dia dos Pais.
Quanto à elaboração, não procurei receita e nunca tinha feito torta de limão na versão vegana. Mas vasculhei as referências da minha memória e combinei ingrediente na imaginação. Minha mãe executou do modo como normalmente faz, de olho. E parte do resultado foi: “poderia ter mais creme; dava para ter mais suco de limão; na próxima tenho que lembrar do óleo de coco; na massa coloquei um pouco de castanhas trituradas; ficou bem suave; acho que o pai gostou, na primeira mordida já pediu outro pedaço…”
Hoje – ontem -, no domingo de Dia dos Pais, minha mãe preparou várias coisas veganas, coisas que ela inventa e cria com o que encontra pelo caminho, entre estas está a torta de limão que nunca fiz mas que preparei junto com ela. Estando eu aqui e ela lá, estando perto de um jeito que sabemos ser e um pouco mais aproximadas por um prato, por uma ideia de receita – sem receita.
Aqui eu já estava quase jantando quando ela me mandou a foto da torta de limão. E foi como se eu estivesse tirando a torta da geladeira e pondo na mesa, pegando os pratos de porcelana e as colheres pequenas. Sentei-me com eles e degustei a torta sem sentir nas papilas.
E como não poderia faltar, junto com a torta de limão tinha sagu (o único sagu que eu como é o da mamma, o melhor do mundo – sem exagero).
A expectativa da torta de limão me acompanhou pelos últimos dias. Foi a experiência de criar algo que não degustei necessariamente no paladar mas no afeto dos atos, na intenção de inventar algo e sair da zona de conforto para fazer algo incomum – uma torta de limão vegana.
Dona Tera é a mulher que tem me demonstrado muito sobre como a comida é um lugar de bons sentimentos, carinho, cuidado, invenção e possibilidade criativa.
Então espero que meu pai tenha tido um dia feliz e que eles tenham aproveitando cada pedaço dessa torta como eu aproveitei.
Até a próxima história.
09.08.2020
10.08.2020