Uma única lágrima que corre.
Corre.
Morreu na boca.
Alimentou um suspiro seco de ar.
Horizontal.
Vertical.
Esse todo vago que corre quando alguém grita que “tudo corre”.
E tudo corre numa tal e precisa perfeição não sinfônica. Desafinada. Alinhada nas cordas de um violino cansado no ombro.
Pedras, bolinhas de gude sozinhas que correm, equilibradas umas nas outras. Pedras e bolinhas de gude.
Os carros abaixo dos olhos baixos. Carros, motos, caminhões. Bicicletas passam ao lado. Pessoas pedestres de lado.
Nas costas o trem vai. Vem. O binário, a porta aberta que se fechou depois que o trem… O trem vem. Foi correndo. Os trilhos quentes. A neve dos próximos meses. Os trilhos onde correm trens, destinos, sábados, anos que vêm… Encontros talvez, se for o talvez que vem…
Os pássaros.
Os pássaros no céu de linha reta. O céu dos rastros de aviões e pedaços partes de asas. Dos pássaros que ficam para trás. Caindo, caindo, caindo leve. O asfalto em linha reta. A curva por escolher.
Qualquer coisa extraordinária acontece em algum canto do mundo enquanto tudo corre.
Tudo corre.
E corre.
O céu imóvel corre. O céu impercebível que se move. Impressão em preto e branco. E a desconcentração inevitável. A distração em títulos. A frase dentro de cada frase sem sentido.
As nuvens movem.
As nuvens se movem…
E a sujeira dos óculos acomodada na visão turva do grau restante. Instável nem o grau parou. Tudo se move. Tudo move quando não se move. E a redundância bestial de generalizar o que não move…
Um texto que se move. Que corre. quando o mundo não move (niente). Do texto.
E o ensaio que faltou de ensaiar… o cão passa e corre e os olhos não treinados não ousam se mover. Escondem arestas de não dizer.
E erguer os olhos quando tudo corre, o tempo corre… Os pés correm. As mãos correm mais. Correm um pouco e ainda mais. Agora. O pé sacode… Na cabeça da quinta-feira a tarde foge, como o pó que corre do ar, da gravidade, da mão gelada que se recolhe inquieta. O bolso é curto.
Todas as possibilidades correndo quando tudo foge, se move, se encolhe. Extraordinário é ainda estar aqui, ainda haver sol, calor, um prato por quebrar, um pé compassando pavimentos sob a mesa de um corredor abandonado por estudantes jovens, só um “eu” aqui. Só…
Só daqui até o fim.
Na volta do cão a tentação ainda falha, as páginas seduzem mais. Ali os olhos se movem. É onde a cabeça para e se move.
E então se move entre os carros, as bicicletas e os trens. Entre pássaros e corvos que também são pássaros mesmo para quem não os quer bem. São pássaros e são belos.
E as montanhas de uma semana passada no horizonte dos carros, das motos, das bicicletas. E as montanhas que sumiram carregadas pelas nuvens leves que foram mais fortes. As semanas que correm carregando cenários quando corre o barulho do mundo enquanto livros conversam verdades de outros mundos. As ruas não sabem dos mundos abertos aqui, do lado da mesa, onde os pés quase descansam a quinta-feira.
Enquanto o mundo corria a música consumia os ouvidos de um multidão que não ouvia.
A música de cada instrumento, de cada órgão batendo - tempo. E os passos correndo, o toque dos dedos nos ares.
E o corpo sentido aqui, na palma… Na palma da mão.
E as páginas lidas no grão essencial que nada - (vê?).
Não escreveram, não falaram, não disseram. Correram nos ares. Os dedos.
Todos os graus do passado e das possibilidades. Das aulas, das salas, dos quadros. Uma cadeira. Os livros escritos ali no tempo marcado como hora-aula.
All star…
O tempo que corre batido no pé.
Foi correndo nos passos de um sujeito inventado, invisível, oculto, indeterminado - pode até ser… Eram lentos na cidade. Seis da tarde. Correndo.
E as mãos correndo pelo corpo, como imagem.
E os olhos no chão correndo. E os olhos correndo na página quase. E as páginas correndo nos ares, pelas cidades. E as mãos correndo pelo corpo como imagem. Os olhos fechados, correndo, procurando a cor… Dos olhos. Alguém que olhasse...
Na rua de trás onde tudo é lento e o ritmo é outro: Rodas, pneus, sapatos e patas… Tudo corre.
Os corvos correm e pousam no topo da árvore, na chaminé, na antena paranoica. No fundo. Da música que corre no ouvido direito, nos fones, no rádio, no som atrapalhado apagado abafado da cidade, o ruído do nome não chamado.
Sussurrado...
Três minutos imprecisos se passaram.
Chegou ao fim a próxima manhã, o agora. Que corre sem entender nada (hoje, agora, manhã). Existir e nada...
E os dedos que ainda correm - agora - correndo. E tudo correndo. A porta. A janela. A descarga. A carga que pesa nos braços estrangeiros. Tudo corre. Corre Lola. A linha, a costura e as pregas.
“Corre que eu pego”
O tempo correndo. O dia correndo corre. Prazo de validade. O tempo. O fogo. Joelhos. O tempo. O ‘eu’ que corre pela cidade len-ta-men-te. Fo-ra do tem-po.
Já passou das seis da tarde.
O ‘eu’ que corre.
Os passos lentos.
A chuva que não veio também corre. Talvez apareça do outro lado das árvores, outro pedaço de cidade. Porque agora o vento também corre. E tudo corre com o vento. Recolhe! A roupa que ficou quase parada durante a tarde. E as mesmas pessoas que todos os dias passam enquanto o tempo corre.
E tudo que corre. Correndo. E as vozes que correm quando o cão quase corre e passa. E olha e depois corre no limite de uma corda que prende e agarra as patas que não correm.
Tudo corre.
O sol agora começa a se recolher mais cedo.
Lento, a esquina, cruzamento. Tudo ficou lento depois das seis da tarde. Quase tudo corre.
25.08.19
25.09.19