Deixa estar…

Era uma estrela perdida no céu chorando a chuva da noite. Uma estrela piscando firmamento, o firmamento desconcertado na manhã do sonho maduro. Contou nos dedos o cálculo, o passado, o tempo corrido, o vento correndo desde o último choro. Não há memória, escapava a precisão visualizável na condição motora dos dedos.

Fingiu tentar, não encontrava marcas empoeiradas e secas da última chuva, o sal acumulado nos cantos. Pálpebras duras, areia na íris, a transparência dos cílios. Fora uma tarde, um dia de semana, um banal registro do tempo que decorre em dias irrepetíveis. Estava deitava no escuro, desligada na tomada, das redes e dos sinais.

Era o sou do sopro - o sopro é mínimo, cabe no que é não sou. Foi vontade de chorar, vontade de enganando a fome saciar-se num copo de água gelada, água frisante. Precisava de um derrame, uma erupção cutânea, lavas fervilhantes descendo o fundo de mares e mundos. Descer em mais de uma lágrima ao fundo do mundo, um poço sem distância, sem eco oco, o topo da torre, a luz na montanha. Cair com o peso da lágrima densa que arrasa sede, seca poços, engana a multidão e os barulhos.

Mas nem do tempo nem das lágrimas nem do gosto. Não chora, tem sede, tempo e falta. Carrega na caixa a imprecisão de futuro, os castelos de areia, o pó das estrelas, o pólen que ainda ontem ainda hoje dança no ar, é chuva de neve, primavera manhã...

Faz o escuro e o silêncio. “Sou um respiro”. É manhã, lágrima que termina e volta como quem diz “estou terminada”. Como termina uma lágrima?... As lágrimas que respiram e correm quando… quando querem?


...O silêncio e um lenço que não é um. Não serve, não sirvo, sou pequena. Vivo no escuro. Mas vai, vai vida... Convida ao sono que durmo, me atira, me tira, me dança, me mova aqui mesmo no escuro, me agita, responda, me diga, me grita, me dita o extraordinário encantamento do mundo, o extraordinário que escrevinha a meia história, a meia nota, a brincadeira de dizer que inventou a única história verdadeira… a única… existência...


Fotografou o canto de costura, as palavras remendadas, os buracos improvisados. Pintou o canto, a luz da calçada, a luz amarela na cortina no outro lado da estrada. Estava cansada, bocejava e então segurava nos dentes, uns contra os outros, um aperto doente, demasiado doente. Um silêncio sufocado, um silêncio demasiadamente necessário, respirado, tomado feito lágrima. Um tombo de nuvens, um voo demorado, molhado, um vento de nuvens molhadas brincadas. Palavras inventadas, escapadas das marteladas no escuro ponto demarcado como justo. A vírgula pendurada no parágrafo.

Rira-se o risonho estranhamento em cada girar de chave e peça - giros de chave e peça (des)sentidos. Afastava-se para vagar. Sem qualquer divagação parava, queria parar, não sabia o que queria parar, queria sentir… Queria sentir ainda mais, um pouco mais, queria o silêncio maior, mais profundo mais fundo, queria tocar o silêncio, acarinhar como um amor em braços, queria voar no canto dos pássaros. Voara. Queria sentir o banco, a madeira, um livro de páginas, a cor do cabelo na ponta dos dedos, queria tirar os óculos, gostar do tom da pele, tocar o rosto, o braço, as cordas. Queria deitar na grama e no som, falar das raízes e das letras, respirar a xícara com café quente, pintar para outro as cores primeiras da manhã, o sol preguiçoso, os capítulos lidos antes… Antes do amanhã… A manhã, o conto. A tradução, a língua, o verbo, o desencontro.

Enquanto a aranha branca escapava do emaranhado branco e pegajoso da folha pincelada aroma perdia a ponta do nariz e a densidade dos ossos, procurava (in)exatidões de olhos pares. Não era o eu, talvez fosse o tempo em que fracionada perdia sentidos. Pensava a calculada ação e reação. E a intenção engasgava rasgando-se na física do negativo.

Cada palavra, cada letra, o quando respiração. Cansam-se gastas, usadas, desgastadas, encantadas, ainda guardadas. Intuem parar ali, puxar a manga, vestir as penas, as meias, as pernas, deixando em paz os galhos que balançam sob o poste e as palavras flutuantes que se perderam no caminho, no tempo de respiro. Intenção era o destino, só a intenção...

Deixaram tudo para estar. Estavam…

02.05.2020
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