Escrevo enquanto você me espera, me gesta no tempo que esta gestação tem para ser. Minhas mãos suam, minha cabeça dói, meu corpo está com frio. Eu tenho medo morando mim, uma angústia que mede e toma todos os movimentos, todo respiro, toda esperança e toda fé. Uma angústia que não dá tempo de chorar, apaga ganindo em mim a possibilidade de segurar uma folha, uma página, a mão de uma criança… Quase desapercebo o canto lá fora, a indiferença de pássaros que voam enquanto um suposto caos se ergue para quem enxerga o caos que então eu vejo e quase acredito.
Os pássaros cantam a espera que fazemos, você para mim eu para você. Os pássaros cantam e o que existe é a manhã de sol e as folhas ainda secas do inverno, o ar frio e o reaquecer dos galhos pelados.
E de repente antes de chegar já vem num sopro me parindo de improviso, enrola-se em mim e embala acalmando meu pranto, minha cólica, minha cólera, meus nervos ainda não prontos. Meus nervos inacabados e prematuros.
Eu sinto o cheiro do alecrim, farejo a sala empoeirada, não vejo o verde aroma. Na mesa a lavanda espalhada sob a luz quente, um fio de fogo. O calor do meu pensamento impensado sobre você que espera.
O pensamento que faço de meu é o que vem misturado ao vácuo ansioso de um dia antes, o pânico afogando um instante e o ar retornando ao nosso tempo. A chegada que vem vindo sem pressa nem demora, é chegada que espera nosso gestar de um para o outro. O que vem vem de pouco em pouco desenhado nos olhos por onde me derramo.
Há um lugar onde varremos as escadas e brincamos os pés a um caminho estrada de chão, planta, raiz e amanhecer. Na mãozinha fina o pincel das minhas letras e no céu as histórias, nuvens que pintamos em rosa e amarelo, a arte rara de um entardecer que telas elétricas não pintam. No nosso instante a aquarela que aprendemos molhando pontas de cores… E os pássaros nas árvores emprestadas onde empurramos um balanço.
Meu filho,
No resto de uma angústia sem fim me sentei de frente à janela fechada, não houve coragem a encarar. Nos meus olhos só a vastidão de distrair aos chãos e ao topo de árvores peladas onde pássaros negros e cantantes se escondem. Ali temi não a morte mas a doença que no susto estende focos. Foi no susto de tremer o medo que quis ver o desenho das suas cores pintadas em mim. E quis como esperança de um amanhã verso a época tempo que inventam e que quase acreditamos. Acreditei num minuto passado passante, quase escrevi sem reconhecer o mar que só existe porque nele não entramos. O mar que faz ondas nos nossos olhos invisíveis, descoloridos, límpidos. Impoluível.
O vento passa além de índices, princípios, marcas para chegadas.
Ganhamos a luz, fomos dados a luz e de um grão mínimo de pó brotamos com todas as cores iluminadas de fora do universo. Todas as réstias e todos os arquipélagos de estrelas germinados na semente crescida na terra, bebidos da nascente de sangue quente. Há qualquer beleza que existe em escolher inventar a parede que pregamos pedindo licença preocupados em não machucar sua matéria, em olhar o córrego com atenção e escutar o seu correr, os ares e o afeto de uma vida que não é notícia nem jornal. Existir ao desenhar nos pés a meia lua de virar a estrada e quebrar a precisão das ruas e dos horários. O tempo não existe, o vento é o tempo. E o depois é tudo o que já existe e gesta.
(...)
22.02.2020
23.02.2020
24.02.2020
25.02.2020