Trecho: Ninho e barco de papel…

Eu não sei mais nada de você…
Acompanhei o silêncio do dia com meu próprio silêncio. A voz diziam que me saia fraca, 'inescutável' quase. Respirar ainda doía, o coração músculo existia dolorido, era a falta de exercício de força ou a força demais.
Acompanhei o silêncio do dia, a desaceleração das cores e da luz, o cair dos graus temperatura. Ainda era a instabilidade de uma estação que não era ainda numa que não havia deixado de ser, mas que já não insistia.
Janelas se converteram em espelhos e quadros, afrescos, tinta fresca, riscos e marcas de dedos.  
Pensei em chamar, não pelo nome, apelido de vizinhos, não como chamava eu tardes antes. Outrora era outra coisa... 
Não chamei. E não chamando empurrei memórias buscando ano atrás um dia, o que fizemos…
Pensei em escrever… Saudade.
Sentei baixando os olhos, mastigando na boca uma ânsia, o descampado. O agora. Mastiguei como se a repetição do movimento construísse uma conclusão entre meus dentes.
Meu rosto doeu.
Meus ombros começaram a reclamar o peso…
O peso
de soltar tudo… 
De plantar em cantos folhas, panos, pelos e mãos…
Não cortei nas fotos páginas de livros os pedaços de dedos, as unhas curtas, o tom vermelho sob a pele…
Mastiguei a janela aberta para o desconhecido, para o respiro que se equilibrava dentro sem respirar fora. 
Desejei desdobrar perguntas… Quem era agora, quem era? Ainda havia? Fora ainda algo de quem fora? Ainda seria?
Ainda seria…

Arranquei a cutícula com as unhas, acertei a palavra. Deixei sentir os velhos sintomas, a cabeça girando o corpo se perdendo para fora. Para fora do que? Lágrimas verteriam num instante próximo. A dor entre ossos no peito, coração aos pulos berros pulsos, havia assinalado, horas antes, o que tornava a casa. Lágrimas verteriam talvez ainda durante a tarde entre unhas sangrando, quando o giro de si perdido fosse terminado. Vertigem.
Vertigem.

Um pássaro negro agora espera minha passagem. 
Cantava, canta sempre.
Mastiguei as perguntas, os lugares por reconhecer, a troca, o que fora compartilhado, o que fora vegetal, as cores do prato, a invenção em liquidificador e forno. As cores vegetais...
O que se perdera se perde para sempre? 
O que estará na tela agora?
Onde trancafiou o coração desapegado (?)
Re-apegou.

Sim, tudo bem…
Tudo bem…
Bem tudo sim.

Há uma pilha do a ser dito escondida atrás da pilha do tudo bem…
Está tudo bem sim…

Nos quilômetros eu sei... 
Nos quilômetros o tanto de mãos dadas, filhos e panos…
Eu gosto de ser um…
Eu gosto de ser dois…

Eu, talvez, não existo.
Fiz passos desenhados com giz em caminhos que só na cabeça concreta pareceriam reais. Eu desenhei com giz e soprei o pó. Os passos estavam no pó, aos ares, não no desenho marca de pé e forma. No pó lançado em sopro as histórias respirando, os passos entregues ao ar. Os verdadeiros passos e traços e mãos estavam ainda no ar. Abertos.

(...)


14.02.2020