Eu pássaro

Era sono, os olhos pesavam.
Era luz caindo a tarde
Derrubando um domingo
O dia entristecido.
A tristeza fora feita com gosto.
Hoje tenho saudade.
E o que consola é pássaro aparecido
Desaparecido
Quando apareço na janela
Escondida
Em frente a xícara.

Tudo se esvazia
armários,
árvores, raízes.
Todos se esvaziam...
Vozes, cascas, pedras
e nomes.
Tudo se esvazia,
Encho-me do vazio vazio
Esvazio
Silêncio
Total
Indício nenhum de algum qualquer alguém.

palavra
Que quero sem matéria
sem palavra.

Esvazia-se só
a caixa correio
a meta, o dia,
os dias
O estar gestado sem alma.
Vazio
riso fotográfico
pele puxada
cabelo cortado…

Um pássaro só, descansado a cerca
Um pássaro cansado no finito chão que se perdeu
Rendido mágico.
Esquina lugar onde as penas descansam
Até não mais ser
Pena
Nos olhos meus…
Não escapa
(que não escape)
o vazio nosso sofrer
pássaro.

Companhia é um pássaro que repousa sem pressa
Que, redondo, observa o mundo redor
Jardim, eu janela.
Companhia é o pássaro que me espera
encontrar olhado eu nele ele eu 
A
Solidão 
Dividida
A ilusão de ser estar distante
Das asas
Um pássaro
Um bicar de folha e cisco
um pular de passo
A fantasia de ser outro de ser
eu
ele
Um pássaro
Minha pena
Nossas penas
Uma pena
Um pássaro
Um isso oco
Voo nosso do precipício
O céu 
Do outro lado.

26/01/2020