Sempre imaginei que se um dia eu tivesse uma casa seria assim, feita e pintada de coisas achadas, encontradas falantes, dizendo a vida que trazem em si. Uma casa feita de nada de novo, de jogos completos, projeto encaixado, peças empeçadas sob medida emperrando, nada mecânico… Coisas assim, andantes, nascidas, pedaços achados quicando. Uma cadeira de um jeito, um banco de lado. Uma xícara colorida, uma caneca de outro formato, uma curva do avesso, um par faltando, um endereço, uma lembrança de encontro, um gesto, um gosto, um ato. Uma história ao descer o gole na maciez do pano. Um talher gelado, um desenho recortado. Pedaços de histórias ditando um novo parágrafo, eu guiada guiando. Sempre imaginei que se um dia eu tivesse uma casa, eu continuaria por aí, andando. Parando, descoberta escutando as coisas dizendo a vida que trazem em si. Encontrada e seguindo com as coisas que quisessem inventar-se continuada história de casa comigo. Ando pela mesma outra cidade, outra vez, nos meus passos as andanças pensando este tempo de aprender lembrando a casa que trago feita de barro no bico, luz de poste iluminando abraços, sofá emprestado, conversas falando a mesa da cozinha em sábado de sol, um pedaço de bolo e café na casa de quem foi viajar e, por entre goles e pedaços, as plantas para aguar. A casa feita de um lugar que não conhecendo me reconheço começo a sentir o sol a pintar os livros, a escrita. Ouço o pássaro amanhecendo pronunciar a nossa casa e quando você chegar. Minha casa é erguida com sorrisos, fotografias de abraços na porta, recados de retorno, flores e confidências, chaves deixadas no esconderijo ou com a vizinha, é o lembrete “volta, estamos à tua espera”, “ficas aqui”, “tens onde ficar”. É quadro pintado, aveia e banana, é limpar a areia dos gatos, com eles conversar. E por de lado as caras fechadas de dias errados, deixar pra lá. Minha casa é uma casa engraçada, uma música sem paredes, é um gato que adormece com telhado de estrelas. Casa flutuante de emoção caindo chuva por onde folhas refazem o horizonte, dançante a viagem das estações de janelas e luzes do varal secando vento. Vento esparramando sonhos, sonhando, um dia, uma casa erguida com os sonhos das coisas falantes, das coisas que escolheram ser a casa. Tenho muitas casas, não são feitas de água quente, quarto mobiliado nem calefação. Tem o calor da vida permeada permeando. Destes anos de se um dia eu tiver uma casa fui e vou entrando em bazares de Igreja, mercados de velharias, antiquários, feiras, segunda mão. Vou olhando, tocando, sentindo nas mãos, vivendo das ruas. Muitas vezes tive de dizer a estas vidas sem pares ou de peças faltando que, por hora, não poderiam ir comigo, noutras elas vinham pedindo para ser presentes entregues com bilhetes a quem era já casa em mim, a casa do meu acompanho. Hoje voltei para casa com um par de chávenas amarelas. Há pouco mais de um mês nos apresentamos, vistas pela primeira vez na entrada da cafeteria, naquela rua de paralelepípedos, arborizada, onde as mesas são compartilhadas e há livros e uma bandeirola dizendo amor. Ali entram estudantes, crianças, idiomas outros, vejo rostos sorrindo. Há um mês atrás vi as xícaras. Eu parti e elas ficaram, olhando pra rua, adormecendo sob a luz da rua e as réstias de passantes. Hoje, antes de as pousá-las na mesa onde bebia café, escrevi uma mensagem… Um par de xícaras amarelas trago comigo para… Trago comigo a nossa casa, feita de vidas falantes em risos de sonhos sorrindo. Sempre imaginei que se um dia eu tivesse uma casa… …Estas coisas que me tornam... Tenho muitas casas enquanto sonho que se eu dia eu tiver uma casa… Será assim, ela sendo, se inventando. 11.11.24