Na manhã a cidade sentia, comentavam os negócios fechados que a última vez que foram vestidos assim fora durante a segunda guerra, a última vez que as ruas ficaram assim foi na guerra… Nos tiros e alvos da segunda guerra...
A mudança das ruas e das calçadas verteu-me uma lágrima, única. Meu caminhar definido no ir e retornar juntava acumulado desconsolo, consertava a cidade… Mas as cidades enveloparam-se num rastro sem pista, impreciso. Nestes tempos as marcas invisíveis, visíveis sem pólvora. O pó das mãos e dos olhos baixos. O invisível, o gosto vago de horas esvaziadas, superlotadas. Noites cansadas...
Tentei… Não consigo fazer palavras para o silêncio. Silencio… Narro em mim… O silêncio em mim. O vírus me convenceu que o que eu tenho, a única coisa que tenho, que sempre tive é o que sinto… Eu tenho aquilo que sinto… Talvez é só e é tudo. E o silêncio atingido dentro, o silêncio que só atinge ser sentido como a forma mais essencial e presente no momento, no aqui agora…
O vírus me admitiu.
Há quem murmure palavras irrecuperáveis de vida, feitas com falta de sensibilidade e carinho à fragilidade que se recolhe aqui, no silêncio escapado das palavras narradas…
Há quem fale em culpas, descasos… Como podem (agora)? Todos estão cansados…
De longe, na verdadeira longura que não são quilômetros - é de sentir -, não se esticam à tentativa de alcançar o aqui de um pássaro que na esquina de uma sacada não entende o que aconteceu assim, de repente… Abruptamente de repente.
O pássaro está perdido no vago vagar… na vaga des-palavra… sem palavras… Um pássaro sem palavras bicadas de ar… Eu pássaro perdido parado num canto da rua… Parado em tudo que está como está… O pássaro calado no canto sente o que mil discursos falam, calculam, estimam, racionalizam. Não sentem...
E dizer o que sinto…
Qual é a forma para isto?
Há quem se alimente de falhas e batidas de martelo na destreza da mesa. Há quem quer saber dos casos e projeções. E nós somos cansados de falar disto… Tudo que a televisão já diz em modo que não aprenderei a fazer...
Mas ainda assim há quem vem de longe pegando pela mão sem tocar a pele, solidariedade ouvi dizer… Pergunta por nós, fala de gatos, crianças, sobre a conversa infinita que virá… Aprendemos a estar um com o outro. Mas não só quando o final de semana acaba e então se pode escrever, não só para confirmar o noticiário, não só para dizer se cuida… Mas para dizer “eu cuido de você”, por isso guardo a distância inventando abraços…
Destes dias importa que re-aprendamos a abraçar mesmo quando a empatia falta a quem não é capaz de oferecer um abraço quente que venha pelo fone, nem as cores fotográficas do cão, do sol nascido, adormecido… Não poderiam fazer mais do que fazem. Então que façamos nós por eles… Quem tem o coração quente que distribua músicas, palavras, fotografias e boas recordações, frases que não sejam obrigações… Quem pode que seja afeto...
No isolamento reparamos onde estão realmente as distâncias enquanto aprendemos a nos juntar ao lugar do outro e a estar com o outro que isolado precisa do afeto disposto em bom coração. Quem pode que ofereça atenção, quem pode que não seja a distância imposta, seja boa intenção...
O mundo carente pode não acompanhar o pássaro e a solidão das ruas… Mas há a manhã em que o pássaro e a bandeira das crianças acolheram as mãos que não sabem o que sentem...
Eu aceno para a janela do outro lado da rua dando sinal de que tudo vai ficar bem…
E para quem vem com os pássaros, prefiro contar sobre música que se ergue no fim da rua, da voz de um vizinho sem rosto que em microfone prometeu que amanhã nos juntamos pelos ouvidos nas canções, outra vez… cada um na distância de seu portão…
“volare, cantare…”
Não coloquei a mão no rosto para espalhar a lágrima. Ficou para o vento levar até a ponta de um pincel… Para o desenho de uma folha, de uma página, de um abraço…
13.03.2020
14.03.2020
17.03.2020