L’amore ai tempi del coronavirus – O amor nos tempos do coronavírus

Acordou o domingo fechando as portas da Lombardia. Era o meio tempo em que abri o portão para enxergar a primavera que chega cedo demais às noites que ainda são frias e para a chuva que insiste na previsão amanhã.

Na rua o normal silêncio, o movimento dos pássaros, os passos dos cães em passeio matinal, algum vizinho pendurado na janela, algum outro atrás da janela - espio enquanto tomo café. Uma bola ultrapassando o muro, a campainha e as roupas no varal, as lagartixas tornando ao calor das pedras, o reflorescer. 

A Lombardia num círculo vermelho pintado no mapa da bota…

Estampados nas portas cartazes com número de decreto. Negócios vazios, negócios fechados, lugares ainda apinhados. E então os movimentos que não podemos fazer, as direções que não podemos tomar, as fronteiras que impedem cruzar, a distância a ser mantida. Há medo da doença, da escassez, da falta... Dobram-se os números de rostos vestidos de máscaras e eu exercito a fala mais alta para que o som alcance a distante que devo respeitar. Os tubos de álcool sumiram como se nunca Tivessem existido. A conversa de rua segue o assunto proliferado em todos os horários da TV. Minhas mãos excessivamente ressecadas começam a abrir feridas pelo excesso de vezes que as lavo. Um exagero eu quase sei... 

Entre os cuidados: evitar apertar as mãos, beijar e abraçar.

Estou do lado de fora da escola, para a biblioteca não voltei - agora decididamente fechadas pelo resto do mês.

No tempo em que parece soar uma regra de que existe sempre algo que pode ser tirado eu insisto brincando de rir, de sentir o que tenho, o que me tem. Invento. Hoje tive a primavera, o sol sobre as cores das pétalas, o céu e o passeio de pássaros. Eu tive hoje a rua porque amanhã não sei se meus passos também serão limitados ao circunscrito do portão. Penso que não, mas não sei… 

Eu acho que não e reinvento essa ironia de estar presa. Essa ironia invisível que amarrou as margens da Lombardia, fechou as portas dos meus lugares, me impediu de entrar e me avisa para não abraçar, para não chegar tão perto, para esperar do lado de fora. Eu aprendo. Aprendo a rir, a me divertir com o que não sei o que será. E então crio um agora que é só o que eu quiser. Porque foi um vírus, é o vírus que me obrigou a me acomodar naquilo que sempre me assombrou - estar presa, sentir-me presa.

E pode ser… Pode ser que neste limite imposto eu não esteja presa, me recrio - outra vez - livre e desimpedida na demarcação de tantos impedimentos. Reinvento. Pego pincéis, páginas, me desloco história. Outra vez, com menos faço mais, recrio-me. Com cores, água e intenção do dia.

Ouço meu riso de graça no que apavorava sempre e que me segurando aqui, me solta. Invento nos limites que o vírus me impõe. Nele me arrisco, dele me risco.

Nas ruas as flores se abrem, espalham-se como estação a vir. Espalham-se depressa sem causa, sem receio e quase impercebíveis. De vez em quando alguém arrisca a parar comigo, do meu lado, e dali olhar o que cresce das ruas em tempos… Em tempo que estamos fechados numa quarentena que ninguém sabe ao certo quanto tempo vai durar... 

Nos galhos que não perceberam a doenças o tom verde começa a se espichar, os pássaros intencionam gritar mais alto, nos céus as nuvens parecer erguer os braços. Um casal de braços dados e pernas lentas, elegantemente faz o caminho da calçada. Dali não lembro o susto que ronda. 

Era a zona amarela. E um domingo na Lombardia. Toda a Itália é zona vermelha. Eu caminho as ruas quase vazias e meus passos fazem entender o que são fronteiras onde documentos não servem para entrar ou sair. 

E com meus olhos no céu eu fico a lembrar um dia na semana que passou. Quando a porta se abriu e eu não pensei. Eu abracei. Ali, diante de tudo que pedia distância. Um abraço num tempo correu sem se perceber. E o que eu sentia ali era um coração batendo, eu não sabia se era o meu. Era uma ânsia de chegar ao alcance.

Na beirada do instante que antecede o abraço e dá a possibilidade de pensar e não fazer só se ouviu um “dane-se o vírus”. Era o abraço em espaço público, em olhos de público, um abraço demorado demais para a epidemia e que me torna mais forte, viva. Eu dizia obrigada… Eu dizia obrigada para aquele abraço onde eu existia sem reclame, sem receio e com todo risco que cabia ali, um abraço necessário e visto em tempos de coronavírus. Um abraço necessário, preciso...

Um afeto onde larguei meus braços e estive contente de deixar de lado todas as preocupações. Fora um ato rebelde - irresponsável talvez - sentido como antídoto…

Um amor em outra forma, um jeito de percebê-lo no meio de uma crise em que cada sinal, indício, migalha de afeto e afeição importa, como calor capaz de enfraquecer o vírus. Sentimento que reparte a intenção. Um amor que escolho por mim afetado de afeto no limite para reinventar o amor inventado que me recria. Amor sem causa, sem determinante. Amor que aprendo a sentir no silêncio de uma manhã isolada, de tempo cambiado e insabido. Um amor de mim para mim no risco e no riso de um passo com coragem.   

Por hoje o que sei é que a biblioteca estará fechada até início de abril. E que da Lombardia não posso sair. Tenho as tintas, o papel, a janela e a primavera que não está com medo e que não abandonou esses lados da bota. E tem aquele abraço que desenhou em mim uma história a contar na lembrança do tempo que vem.


08.03.2020