Se eu chorar…

Se eu chorar você me acolhe?

Se eu chorar agora você se encolhe em mim enquanto me acolhe?

Se eu chorar agora quando o mundo me engole você me acolhe?

Você me engole se eu chorar encolhida nas voltas do frio da fresta da porta do jardim da outra parte do outro lado do muro do portão da outra porta da outra parte?


Da outra parte…


Quando o mundo me engole e eu engulo o soco no escuro.

Puxo o ar, 

Ando 

Quebro na mão o muro.

Quando o mundo me engole

não fujo

levo junto o mundo… 


Quando  um cão me escolhe…

Quando um passarinho miúdo me encolhe…

quando a árvore esquecida no mundo me acolhe…


Se eu chorar?

Se eu chorar você acolhe o meu silêncio feito de goles?

E se eu chorar você aceita que eu me acolha nos lados falsos da realidade?

Se eu chorar…

Se eu chorar…

E se eu chorar você engole o gole do mundo que me encolhe enquanto o lento tempo no rosto me escolhe?

Se eu chorar você me deixa só ficar e enxergar as outras cores, as outras faces, as outras formas que não entraram na paleta, na letra, na dimensão… Na letra errada… Na letra do nome… Na letra quebrada na terça-feira. Na letra que inventou um outro eu que chora e não sabe… Seu nome…

Um pano que sacode, um tecido que encolhe, um manto no vento percorre o asfalto para fora da cidade…

Se eu não chorar, se não houver uma próxima frase…

Quem é você?

Quem é você?

Quem é você quando eu choro? e se…

Se eu chorar você aceita meu rosto desfeito, sem jeito, perdido nas luzes expandidas do fim da tarde, do princípio, da noite, da praça, da rua, do corredor maduro encolhido nos pontos férreos de (des)lugares?

Se eu chorar você me escolhe no outro lado da ponte, no outro lado, no topo da torre, no fundo do poço?

Você me acolhe muda indo vindo impregnada nas asas das pombas mortas nas calçadas do bairro, jogadas das árvores… Se eu chorar assim, segurando na mão mil pombas, você me acolhe?

Se eu chorar no mesmo jeito invisível de antes e se eu fechar os olhos só para me esticar sentindo o horizonte e se eu abrir a boca para beber o que me ocorre distante… Você me encolhe?

Se eu chorar no vidro amanhecido na chuva, na madrugada de insônia, silêncio e penumbra…

Se eu chorar no único instante de raio, um ponto de luz piscada na parede do depósito onde durmo…

Se eu chorar no ruído de um trovão…

E se eu chorar quem vai ser você?

Quem é você pedido para esquecer e desacolher cada gota pingada no algodão?

Se eu chorar você deixa pra lá que eu me encolho em todas as luzes apagadas, sob o cobertor outra vez dobrado em parte… 

Se eu chorar quem escolhe?

06.11.2019