Um canto no impossível…

Daqui a uma hora a noite vai clarear, transmutar-se em dia iniciado, feita de vida nova, renascida….

Em uma hora a noite é clara feito dia. Eu ainda não dormi.

Eu não dormi.

Na noite parada em horas girando… Aos giros, aos giros. Aos giros Van Gogh eu não sei como foi que aconteceu. Fui arrombada como um chute leve na porta. O que levaram não sei… Talvez sejam sono e os dias que vem. Mas como não tenho nada, eu não sei.

Não sei o que foi que disseram em voz baixa que de mim levaram: meu corpo, meu rosto, minha pele queimada de sol, minha lágrima saudade salgada.

Já passaram por aqui mais de quatro horas do dia 01 de julho… Banners e slogans anunciam que um novo mês começou outra vez. Mas sobre isso nada sei. Sobre dias em números, datas, meses e anos eu não sei. De cálculos aniversários e… E tudo mais que não sei.

Eu estou andando no asfalto, na margem, atravessando riachos, lagos, pontes, pontos, rios por onde são pedras que correm. Eu ando pelo impossível, ao improvável. Eu (in)compreendo lógicas e probabilidades. Eu falo entre beijos com quem não sabe que eu existo. Eu desconheço o conhecido… Idiomas deixam de existir. Eu não sei que dia foi, que dia é. O número do depois… Que sucede o depois.

Mas na noite em que fui arrombada eu entrelacei meus dedos e rezei velando o sono desaparecido, fugido de mim. E de mãos unidas inventei uma fé que não é minha, acreditei que o mês iniciado traz num cesto os dias de nova sorte…

Eu…

Eu acredito na sorte e não conheço os dias em números, a forma de meses erguidos em linhas que chegam a 30… 30 fragmentos de segundos bastariam…

Um instante mínimo bastaria…

Na noite de luz apagada eu confiei em escritura de nascimento. Lavrado renascimento em outra língua que não arrisco e (des)falo. Não havia razão alguma para isso, não havia probabilidade, chance, possibilidade. Mas era nisso que podia acreditar… No improvável, inviável, na impossibilidade do dia.

No despertador contava o tempo andando pelas próximas duas horas. O estalo do despertar. Abrir os olhos já abertos para a madrugada de estrelas desenhando os caminhos do céu. A lua como um risco amarelo, vivo…

A espera que espera meus olhos estreitos, salgados, em areia e mar.

Eu não encontro nem sei como ficam os rastros no caminho. Um mísero misericordioso indício empoeirado é palavra. Rasurada, que eu deposito na noite que vem, passa e segue sem que eu a veja.

Na palavra rezo crente no dia que vem, na noite de mãos cruzadas guardadas guardando o meu amanhã sem amanhã, feito de impossível, improvável, (des)estatístico. Um riso que espero colado na boca do sonho risonho, nos pelos do corpo que vejo no sonho, no choro que corro em sonho correndo. Eu sou o choro correndo no sonho em que resto quando ele já andou seguido para fora do que não era sonho. Todas as noites eu tenho sorte e espero o milagre inventar o ar.

Todos as noites eu vivo invisível. Todos os dias eu finjo. Revivo o impossível. Sobrevivo.

Uma hora mais passa e eu fico. Para ler o clarear do dia na janela. Repouso os olhos e leio o dia amanhecendo. A notícia é boa, a notícia não é jornal…

O agora é o tempo que passa.

Sou eu sem certeza de sentar às margens do Arno para chorar. Eu (des)certeza de título de livro, número de páginas. Sem certeza de vagão de trem e horário de partida. Não tenho certeza sobre amanhãs ou manhãs de verão.

O que tenho é uma xícara vazia e a certeza que o rosto chega em sonho também no outro lado do mar. Certeza de que é a vida quem cuida, que é o tempo mestre que aquieta angústias e acalma esse quase olhar extraviado em montes e torres, que o caminho se faz traçado por si só – já não se gasta em retrucar discursos exigentes de posse -, se faz tranquilo dono no silêncio de si.

E a mim? A vida, o tempo, o caminho desenhado de estrelas… O chinelo que me cabe é o andar por aí… E sonhar… Respirar o sono… Se esparramar extraviada ao céu e as flores que crescem arquitetando paredes e muros.

Meu lugar?

Um lugar no canto do impossível…