Vigia e depois misture azul com rosa

Cuidar de si ficou difícil: Um corpo parido, um rasgo, uma sentença.

Um guarda-roupa definido: A marca de nascença.

Então, crescido crescida vigia:

Vigia a cor de suas roupas. O pote de sorvete que a criança pede, as cores do sorvete, da bicicleta, do tênis, da grama, do céu, do pássaro, da cama, da bola… Da bola…

Já é tarde desde que desnudei as bonecas para pintar suas formas com esmalte vermelho…

Mas vigia:

Vigia a cor de menina que não veste cabides,

A cor de menino que não maquia olhos lábios ouvidos,

Que não faz cor com seus medos (eles e elas),

A cor de um bicho mal vestido sem vestido sem sentido.

Um bicho sem terra, sem corpo, sem rosto. Reduzido a um sinal num papel carimbado nos sinais do nascimento. O balanço do ano. O acréscimo do capital impercebível por trás das vitrines em faixas: “é menino ou menina?”. É mais uma loja quebrada em dois sentidos: azul e rosa…

A opressão por trás das luzes grita: Vigia. Porque quando a noite adormeceu já era de manhã e as cores do mundo estavam terminadas.

“Moça, não sei o que é, mas dizem que é um bebê de formas humanas. Existe outra cor?”

…Não tem…

As cores do mundo se afogaram num lago raso de azul e rosa. Nas margens se assinala no rosto a cruz.

Se misturar azul com rosa que cor se torna?

O que acontece quando souberem que, as vezes, temos as unhas pretas, as calças vermelhas, as calcinhas transparentes e não usamos sutiã?

Que nossas meias cinzas, furadas no calcanhar, tem estrelas, planetas e astronauta — é da seção masculina –, que nossas calcinhas estão rasgadas, descosturadas e sem elástico e que os sutiãs em ferro bojo e gancho foram para o lixo? O que acontece amanhã? Quando sabemos que não gostamos de rosa? Que não gostamos de azul?

O que acontece? Quando… Quando não dá?

Vigia esse texto indefinido sem pai nem partido… este texto partido que não sabe qual cor… este texto, duas cores, outra cor, esse horror.

04/01/2019

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