Meia-noite começou a aula de filosofia. O avião aterrizou antes das 22h, imagino, não olhei para o relógio. Chove lá fora, em uma semana... Em uma semana, eu ainda não sei. Mas até aqui a imprecisão certeira de um instante onde cabe uma vida me fez respirar e eu respirei. As ruas e as cidades, a lembrança de gente que me cruzava no ombro e sorria, amores apaixonados que beijei ali no segundo, um attimo de vida daquilo que chamam tempo. E a criança que se escondia, o café e a vocação para inventar a leitura de um livro na imaginação das palavras de uma língua, uma língua feita na boca de quem dizia. Brinco de imaginar uma brincadeira que brincando inventa palavras de uma língua depois da matéria das letras, que diz no invisível, um eco de mundo sem a forma que conheceram... Um sopro, o ritmo. Invento, uma vez mais, ao infinito, um jeito de ser sem jeito, o próximo segundo. E o silêncio da fotografia, o esboço, a luz, o reflexo das janelas, das varandas, as luzes acesas para uma noite que nesta época não se faz por completo. "O voo é amanhã..." Divagação e tempo na linha confundida, a fusão, o trem saindo, as malas paradas, "onde você tá?" O voo que era só amanhã (não se enganem com a vulgarização da época postada em postais sem vida, os lugares não são os locais que busco, não me enganem com as coordenadas geográficas, eu não me importaria em dormir no chão). Não perdi nada, ando pelo tempo que não foi retalhado nas conjugações corretas, tempos verbais. Um amanhã já passado no voo que foi só amanhã. E agora? Agora eu sento no corredor ou me escoro na parede de frente a janela e a luz deitada no chão que esqueci que vi. Ali, num lugar de talvez não voltar, guardar a memória, de que em meio a tropeços e coisas confundidas, valeu a brincadeira de estar, de girar, de se abandonar, se deixar estar. Daqui a pouco a gente lembra, e talvez é lembrado pela luz que continuou caindo lá, na noite clara... Foto - Olso 2023 Texto - Varsovia 05.08.23