Ensaio retornos, paro nas calçadas ou nas vírgulas, frases restam sem ponto final… Trechos repetem-se no sopro imaterial dos meus ossos ocos rocos, pássaros refazem as luzes no céu. O mistério é eu não saber dizer, Clarice, essa presença incompreensível nas palavras. E a tentativa de dizer esconde ou camufla ou maquia o que seria dizer… Apago palavras… Mas isso é só um parêntesis para então esboçar um bocejo ou um soluço de um sinal meu registro, desse ou nesse - não sei - lugar invisível da vida, âmago da existência, quando piso algumas margens do real - esta, também incluída neste mistério dizente do indizível… Nas páginas de Pássaro não estão os cabelos de Peilin, nem os olhos brilhantes do Thales ao olhar para mim, nós dois, chorosos de emoção, folheando páginas de livros infantis. Não está o riso alto de D. Guida ou eu que a conhecia antes dela me conhecer, eu que a conhecia pela doçura alegre atrás do balcão do bar. Também não estão o dedo que não dobra, as marcas de queimadura e aquele riso largo de alguém dizendo “bom dia flor”. Alguém assim diverso, tão próximo da vida, tão intenso de vida. Também ali não estão os pontos de exclamação que não sei usar. Sou reticências e palavras erradas, nãos fazendo eus… E ainda haveria a fotografia analógica, intensão curiosa de registrar em Super 8, Rio de Janeiro, Edith Piaf tocando no táxi, eu reinventando países e lugares que não ficam na misura da geografia, a invenção de dizer entre idiomas. Colinas, ares, livros deixados, lápis apontados. Imagem que existem quando reflexo… Pássaro voa na poesia do Eliezer nas cores da fotografia, com a lembrança da primeira vez que morei na Itália, traços de retornos, desastres amorosos, um pensar andante na elevada de uma rodovia onde o céu tramontava. Há um eu que continua sentada embaixo da árvore, esquecida do sol que fora embora, e continua ali lendo em voz alta, linha depois de linha, linha antes de linha. A poesia colhida das varandas, dos varais, dessa vontade imensa de cores, traços… Versos curtos, pulso e pulsação, eu brincando de ser. E essa incapacidade de saber dizendo dizer e ser só uma invenção sentida no respiro de um ser em teima. Que caminha, divaga, observa. Alguém que só é É quando escreve… E estas linhas não são publicidade nem divulgação… É uma linha que rabisca um… Manhã cedo demais, quando desbrava a viagem de um eu em mim em um tempo que até aqui fora expressado como fora do tempo, quando seria ou poderia ser este o tempo real. Justamente quando não milimetrado no tempo real… Era justo e vontade que desse lugar de endereço www - intimidade refúgio casa (reflexo refletido lendo Josep Maria Esquirol) de texto, vento, silêncio e pássaro -, eu lembrasse um trecho de fruição sem lastro. Se existe um querer é pelo que pulsa, pelo que não existe, pelo o que não sabe dizer… Por aquilo que se escreve inscrito na ainda não materialidade da escrita... De um pássaro que voa invisível… 11.03.22 Pássaro; Nauta Editora, 2024.