Havia escrito… Desabito realidades, desabito destino… Desabito… Escrevo no escuro. Num fim de noite quando as horas já passavam das horas e os tropeços ultrapassaram ecos e solavancos ocos, quando… Talvez as portas nas costas rumassem odores e palavras inventadas. No meio do escuro escrevera… Escrevo no escuro… A forma das palavras na forma do escuro nas mãos frias, esquecidas nas formas desabitadas. E quando trechos de palavras caiam e quicavam… Quando… Na medida de um mesmo fim de noite sem medida… A impessoalidade de palavras tão pessoais arranharam a pele, eram o cão encontrado pelas ruas que com os olhos nos olhos abanava o rabo… Aquelas mesmas palavras ainda arranham a pele dizendo, insistindo em firmar-se não sendo a inassistida mensagem deixada no fim de um trecho. Se devo ser concreta e assim garantir compreensões que não pretendo, terei de denominar notas biográficas. Falo confetes, afirmações, dar caras, formas, elencos, anos, títulos, currículo, prêmios ou presenças, como se isso fosse a escrita (talvez possa ser literatura, profissão ou intelectualidade, mas a estas não me tenho). Falo dessa maquiagem sobreposta ao texto que, com vida própria, nasce em si mesmo. A ele ninguém pergunta quem é, se supõe com tonalidades tomadas à medida, pregadas a régua, mas um texto não é coisa minha. No eco que foge aos entornos, ecoam as páginas das águas que posso ter bebido de Clarice e pode ser ainda um traço de um eu sem traço e sem retorno. A palavra é. Se ainda assim fosse realmente necessário inventar um rosto biográfico, deveria então dizer os fracassos, os nãos que garantem que as palavras sejam, esta seria a biografia verdadeira. Há tanto que não escrevia um texto… Há tanto porque um dia sem escrever é toda uma vida, a minha, esta que decide ser tomada não como posse, mas pela mão como um passeio. Um passeio sem destino, sem caminho traçado, sem enquadramentos se não aquele de ser uma palavra embalada em outra palavra, um ninar que me respira. Estou aprendendo a escrever vivendo. Não há em mim um eu concretado num nome. Um mísero banal minuto sem esquecer-me, sem escrever, é perder a vida, e há tanto já não escrevo… E o que, de repente, me faz mover a inquietação do peito sereno, das minhas fragilidades vestidas, é um pranto que não chove, é uma manifestação do meu manifesto sobre… Sobre essa falsa ideia que já não suporto, de dizer quem sou depois de um texto… Eu que deixo as palavras erradas se elas assim se ordenam… Esta necessidade que me obriga a inventar uma justificativa a escrita, um quem eu sou depois de um texto… Quando… quando eu sou nada mais que o texto me escrevendo. 11.12.23