Vestígio (talvez sejam tintas)…

Quando a última tela foi posta para secar, as tintas misturadas eram ainda vontade de riscar. Desvestida a roupa, fiz-me das cores e da vontade dos risos riscos. Os tons misturaram, seguiram o próprio caminho na vontade de ser vento…

Nestes tempos de passagem, os pingos borrados refizeram o trecho do chão, o desenho dos azulejos… Os ares, as areias, as nuvens, as águas… os sopros e os não sei. E como um alguém sem início nem fim, numa profusão de abstrações e riscos, as cores se tornaram movimento, como se o anseio ou a existência de cada cor lançada fosse desenhar o vento… Não a sensação, o movimento, a tentativa da expressão. Desenhar o vento.

Para além ou aquém, sem um pós nem um antes, anterior… O vestígio da tinta.

E nos fios molhados do solvente, o vestígio de um alguém irreconhecível na pintura dos quadros que estão pendurados, manchados, corrigidos na mão firme, no traço ensaiado e repetido. O alguém de um possível alguém fora apagado quando a pincelada cambaleante foi sobreposta na sombra certeira, na profundidade, na puxada frente a claridade.

Andou, supostamente para frente, esse ser chamado tempo, que não são anos nem voltas do relógio... As tintas esperaram, não como espera, mas como um contínuo de estar sendo, ali, cores de seus fundos âmagos, estágio de cor. Estiveram calmamente num quartinho escuro, onde cores não existem. Tampas duras, restos secos, miolos de tinta fresca sendo até o ato de alguém que, sem sobressalto, recupera a luz da porta aberta.

Um de repente, um talvez, um lastro de vida vestígio não risca o roteiro no fundo branco. Não sabendo pintar pinta, inventa um desvio do vento, flui como um pássaro, chove. Ser as tintas, o pincel, a mistura de todo existente e fluído… Um instante, as mãos onde a tinta ficou, as roupas manchadas, o avental costurado no mesmo fio de flor, o cheiro de tinta óleo pairando o espaço desenho de sala, até o tempo das folhas secarem e caírem sobre um mar de vestígios lançados ao instante, ao próprio pertencimento num outro infinito, num alguém silêncio e invisível.