Para ela… – trecho

 

(“(...) Àquela altura eu já tinha percebido que procurar era a minha sina, emblema dos que saem à noite sem propósito fixo, razão dos assassinos de bússolas.” - (pos.259))

Nunca mais vou voltar…
E nunca é um talvez ecoado, um alguém inexistente. 
Foi ou é ou será, a in-conjugação sem o tempo ou para além de um tempo no qual a palavra re-des-conhece o corte do tempo estatelado ou estilhaçado de um tempo para os tempos do não tempo. O tempo verbal do verbo tempestuoso, intempestivo alguém num não alguém falado ou não falando a resplandecente voz ecoada num eco - ecco - de uma palavra sem palavra. E a palavra assaltada numa busca incessante de não se ser palavra, quando até mesmo a busca incessante de engolir-se ao depois, a sensação in-dita… É sensação palavra - o indizível o é dito. A busca do âmago desconhecido ainda continua sendo palavra. Busca. Desconhecido. Âmago.

(“(...) Sem palavras chegar à palavra (que longe, que improvável!), sem consciência pensante apreender uma unidade profunda, algo que fosse enfim como que um sentido daquilo que agora nada mais era que estar ali tomando mate (...).” - (pos.1316))

Eu arranho-me inteira, o corpo sangra o calor quente que a pele não toca. Ele quase tenta conduzir, mas o gesto tentado gentileza não é delicado, é quase força bruta que me inquieta o silêncio calmaria dos meus lábios intocáveis. E isto basta para o recôndito frágil ser de um ser fora do mundo. O indelicado me machuca e eu tento entender as marteladas nas almas que sofrem e sofrendo se tornam brutas de medo e desconfiança. Mas a indelicadeza é direcionada a mim ao oferecer meu coração que é um fio que dói, volta sempre a dor. Ainda acredito em tudo. Mas agora, se for o teu ato, neste palco em que já me viste pura ou nua… Se não fores capaz de ser-se com a história, teus dramas desfechos memórias, tua fragilidade de mostra-te frágil ou para além da boa postura, se não fores capaz de ver que não sou espelho nem reflexo, um suposto passado, que não sou o sempre assim ou o é assim… Se não fores capaz de um milímetro de coragem para além do que conheces ou reconheces como qualquer coisa que não esse lugar comum, tão pronunciado nos teus acontecimentos de ontem, nessa falsa conversa entre metades… Se não fores capaz… Então, dê-me as costas. Não te preocupes em dizer ou encostar a porta. Vou sentar-me aos degraus para reparar na fotografia que será o nunca fotografado, antes de apagar a luz e soltar o disparo. Se não fores capaz de ir além da cor dos olhos, dê-me as costas e segue como sempre segues… O tempo de sempre do relógio reclamado num ecoado centro onde nunca estarei.

(“(...) E assim ocorre que o homem só parece estar seguro nas áreas que não o tocam a fundo: quando joga, quando conquista, quando monta suas diferentes carapaças históricas à base de éthos, quando delega o mistério central a cura de alguma revelação. E por cima e por baixo, a curiosa noção de que a principal ferramenta, o logos que nos arranca vertiginosamente da escala zoológica, é um perfeito engodo. E o corolário inevitável, o refúgio no infuso e no balbucio, a noite escura da alma, as entrevisões estéticas e metafísicas.” - (pos.2648))

Tudo me sangra, me chora, me alcança. Todo animal me devora, toda rua me chora, toda flor me cheira. Todo sol e todo raiar me queimam. Toda chuva me molha, me esfria. Há qualquer coisa de coração que pula mais alto ou mais forte que eu mesma. Pula até cessar o ar que preciso respirar... Eu não dou conta de mim. Meus ossos concretos são demasiadamente frágeis ante a porosa fragilidade de um eu sem corpo e sem matéria… Um sopro que passou no tempo quebrando os ossos e eu vivi a insustentável fragilidade de um ser que só não sendo o é.


(“O absurdo é acreditar que podemos apreender a totalidade do que nos constitui neste momento, ou em qualquer momento, e intuí-lo como algo coerente, algo aceitável, se você quiser.” - (pos.2728))  

Torno-me o quadrinho riscado nas mãos do cartunista. Na projeção por um final feliz, é lida a epígrafe. Eu sopro e não suporto a quietação miada. A intensidade me
soffia, me venta, me terremota. Terra remota de um planeta implodido.

 

(“(...) me custava muito menos pensar do que ser, (...).” - (pos.335))

Inconscientemente escreve… quero existir. Descobre depois de ter escrito.
Concretamente, o pensamento pensou… não quer ou não quero existir. Apagou-se apagada num inexistente registro, como se nunca fosse ou nunca deixasse de ser. Para não existir ou existir nunca, além consciência, seria ou será preciso que a palavra não exista, nunca tenha sido, nunca seja. Como seria a injeção ou a extinção desconhecida. A projeção da suposição de um definitivo eterno não sei, não se sabe, talvez nunca se saiba. Mas há indícios… Indício infinito do nada. 

(“(...) que dentro dele nada estava no seu devido lugar, mas que ao mesmo tempo - era verdade, era maravilhosamente verdade -, no chão ou no teto, debaixo da cama ou flutuando numa bacia, havia estrelas e pedaços de eternidade, poemas como sóis (...).” - (pos.1227))

(...)


Citações do livro Jogo da Amarelinha, Julio Cortázar, Trad. Eric Nepomuceno, Companhia das Letras, 2019.