A última pincelada antes da meia noite.
As folhas caíram, ainda estão sobre o chão. A luz ao lado, do lago, acesa, um piano ou um violino, um latido miado ou pássaro cantando as histórias que ainda estão para ser lidas para embalar a noite…
Penso em ti ou em você.
Deito-me na grama e deixo que o sol vá e venha sobre mim, um corpo esquecido de pertencer ou de permanecer no corpo.
Penso. As perguntas deixadas sem respostas, as respostas que não precisam perguntas.
A pincelada na água ou nos olhos, a história que conto assim sem saber contar. Pois, afinal…
Afinal é verdade, não é crítica, não é mau, mas é verdade. Eu não chego a lugar nenhum e o que tento dizer é só o que tento dizer porque o que eu quero dizer é indizível.
Mas eu penso em você, e é de verdade. É porque, eu sei e pode ser… Pode ser que seja só esse pensamento que me pensa - e se assim o for será me tudo - de que, que há sim qualquer coisa, qualquer coisa que é diferente de tudo e é o que deve ser. É o que talvez eu tenha esperado, vivido como um sonho e que, de repente, abre a possibilidade de tocar calmamente sem agredir o que é pele.
E pode ser que seja só o que eu gostaria que fosse e bem…
Ainda assim, ainda assim…
Ainda assim eu acho que vou escolher acreditar que é diferente, que pode acontecer o que acontece quando, às vezes, há uma sorte de acaso ou essa arrogância frágil a qual se chama coincidência… Ainda, eu ainda vou escolher acreditar onde entregar meu riso e meu ar.
Ainda olhar e ler-me indizível.
Pois afinal, não é crítica, é sempre a tentativa por tentar dizer o que é indizível, o que não sei dizer e sinceramente eu não vou saber, talvez jamais. Mas eu reconheço e é no indizível, é no indizível que reconheço que penso em ti, que penso em você.
Mas repara… Repara porque aquele único e repetido olhar… Repara a matéria do indizível…
E se fosse apenas aquele primeiro olhar, sem reencontro, sem contratempo, sem reencontrar, ainda assim seria para sempre o indizível em mim… Eu que ainda não existo.
Estou quase, sempre tentando, dizendo o indizível para alcançar o desconhecido no desconhecido. Mas ao tato sem memória ou com a memória esquecida eu não percebo, e sem consciência do instante reconheço um instante do indizível dito naquele olhar, naquele instante. E é por isso que eu sei e não sei se existo. Eu não existo, pois estou sempre tentando existir para além desse sopro ou sensação que se lança para fora o que agora, então talvez, eu quase perceba, esse sopro sou eu. Essa sensação que não se explica, não se chega, não alcança.
A última pincelada e uma gota, um pingo, um poro ou um pó do pólen da areia do céu, da penugem da chuva que caía a rua da manhã, o silêncio da manhã de domingo de um mundo que adormecera sem despertar, sem despertar, sem o despertar…
Um centésimo sentimento centímetro que eu escrevo com a letra primária errada do tempo que soube e não soube, sobre… Meu coração que fez prece, minha mão que… que aquietou colada ao corpo o corpo… Este corpo é meu, mas eu não tenho meu, não tenho medo e não tenho meu.
Eu fiquei pensada sobre o esboço da linguagem ou sobre a linguagem que escapa da linguagem, a intenção de ser eu ser que não sou e não sei. E a linguagem ainda esboçada, tentada ou tentativa de dizer o que não diz, não haverá dizer.
Eu que penso em ti…
E a tentativa tentando dizer o indizível, o que tento dizer como se possível fosse ou seja é inventar ou descobrir o eco indizível, o indizível que tento alcançar pela linguagem que me conhece ou reconhece, mas eu não sei…
E eu tento te alcançar e tento te soltar e tento…
Eu…
O próximo instante - milimétricosegundo - é tão misterioso, desconhecido e incerto como o primeiro instante - milimétricosegundo - da morte. Não há nada conhecido, tudo - ou quase - é tentativa. O próximo instante é tão misterioso e desconhecido como o primeiro instante de vida. Ou o primeiro instante trocado entre duas vidas, o próximo instante...
Reconhecer ou tentar dizer... Eu sou a tentativa, o esboço da linguagem que faz dormir, que embala o berço. Eu sou, mas só sou porque não existo. Que você me seja…
Os papéis pelo chão, caídos…
O próximo instante.
22.05.22
23.05.22