Variações e (um eu) ‘Sempre ausente’

Escrevo maços de papel nos últimos tempos. Papéis que permanecem adormecidos, repousados, distantes, imaturos como eu, pois é tempo… Esperam a incubação da primavera. E para agora, meus passos saem mais lentos do que antes, eu respiro a lentidão que o tempo pede e se dá. Sirvo cada tempo e destoo rotina, me desafino, me fio na vida. Não cresço e permaneço um pensamento vestido de palavra que me arromba improcedentemente ao modo e hora e batida e justo como tenha de ser.

E assim sendo, eis que vem uma manhã de domingo. Ando distraída buscando sombra e espaço vazio, luzes vagas, escadas. Não noto o tempo do tempo me olhar, distraio-me com pingos de pássaros que ainda não pararam. Fermo-me na música como se fosse a primeira vez (infinitamente repetida), - de algum modo é… 

Existi no tempo da música e decolei ao céu sem margem, sem cor, espetáculo, vernáculo, sem estátua nem estada. A música vestiu o vento. E o vento transpôs minha ausência - não volto pelo que passa, volto, me atenho. Vento na cor outra hoje, na tarde do fim...

E tudo que senti não serviu para tudo que escrevi no momento que senti. Entre pássaros, borboletas, folhas e árvores e gente que foi passando sem que eu às percebesse… Uma canção única, como tudo e todas as coisas do mundo, foi rolando no tempo da manhã e eu, através dela, fui sendo despida, vista e antevista, sentida através. Esse meu feito no corpo imóvel irremovível, fui deixando-me ficar velada, desvestida, lida, rompida, cantada no toque e ausente em meio ao jardim de uma canção que me alcançou… Um eu sendo... Inalcançável, quase dormente. Ausente…

Não derramei água mas senti um pensamento desarrol(l)ado como um encontro inesperado de quem fala sozinho e sonha como louco. Que não existe e mesmo assim é escritura na canção na qual não se soube... Um pensamento alcançado com olhos perdidos, distantes, fundos como mergulho.

E o que escrevi na manhã de domingo permanecerá para a vida das palavras que pediram passagem para ser e passaram em direção a algum canto do mundo que não me cabe saber ou fazer. Estão ao fundo, voam por asas próprias.
E no tempo que rola, eu não sei do que resta no tempo que me desliza. Sou dissolvida e do tempo quero respiro. Refaço-me das palavras com a memória de uma manhã e a canção não decorada. Redesenho-me risco na sensação. Através do lastro, a sensação do que me enxergou descoberta na ausência e no silêncio sozinho que sou… Não sei muito das Variações, a história da ou das canções, sei talvez o que fui não cantando, o que fui deixando-me deslizar na caneta, o que fui de olhos distantes e com pensamentos de quem vive de emoção, de quem ama a insensatez da razão, o imprevisto, o impossível, a criação de cada gesto invisível e a intensidade que vivo em tudo que não existe… Ausente e sem sentido.

Chove a árvore, as borboletas e os pássaros estão cada vez mais próximos. Paciência, sou cada dia mais ausente… “Ser o fim de mais um dia…”

Existe a manhã no infinito da dança entre duas borboletas que não querem passos. Vivo pelo que me emociona, marca que sou ser vivo. Tenho palpites palpitantes e a emoção infinita no singular, latente, vibrando por todo o tempo (e então esta pode ser alguma certeza de um mundo que espera, sem medida ou regra, um universo ausente…).    


13.06.21