Desistência… – trecho

(...)
“Desisto”

Escrevo…
Coloco-me para embalar no fundo do poço.
“Desisto”, escrevo…
Eu fracassei.
Eu fracassei tão bem e continuo. E fracasso com tanta má desenvoltura que até fracassando eu fracasso. Fracasso pelas metades. Há resíduos, um pouco de pó e poeira que atrapalham o fracasso.
Eu fracassei, engulo com liberdade. Ando só e sigo. É livre, um passo no escuro, divagar, andar mais devagar, reparar os olhos baixos e o chão. Virar os olhos e ter o céu mas não ser dono, não querer nada para ser dono. Pertencer num tropeço quando viro e me viro e me desviro e fracasso e sigo... Não sei se desisto ou se insisto, eu fracasso e respiro. Fracasso e respiro, fracasso e respiro. Até que descanso, pesa no estômago, no ouvido, afogo o pranto e a asfixia, fracasso e desisto. Então resisto. Fracasso e respiro. E sinto é o gosto do vento.

Eu fracassei, houve antes momento tão limpo para olhos tão lúcidos, tão perdidos, distraídos?
Respiro...

Não resta restos de espaço para uma nota, uma orelha, um lastro, uma pena.
Não existiu tempo para empilhar, juntar em pastas. Nada que pudesse ser vendido, trocado por um mês de pão. Era o tempo ponteiros e relógios e turnos e jornadas e sinais para recreio. Mas eu fracasso sem indução verbal.
Eu fracasso. Desistida, calma, repetida. E por agora palavra nenhuma. Mãos no chão, altos, ao alto.
Grita.
Não grito. Acalmo, respiro. Respiro…
É agora, exatamente exato agora destemporalizado que a história pinta a letra depois da letra. É agora, exatamente agora que o mundo acontece, mas não é para agora o mundo que acontece agora. Não é para agora. Olha, é agora o que não é para agora. Agora o mundo para o mundo de não agora. Tanto mundo, vastos mundos. Astros mundos, mundos sem agoras.
Mas eu desisto, não digo. Escrevo. Eu desisto.
Fecha a porta, não é por mal mas vou embora. Fecha porta, a janela, a curva, joga fora se palpitar o peso que me dói na boca do estômago. Segura o trinco, me trinca. Eu desisto e amo. Vou agora… Agora...
Vou embora. Não joga a bola, é pranto, é choro mas tenha calma, não insisto. Eu não sofro. Eu sofro. Eu não sofro. E sou desfeito. Não sou não fui feita para felicidades. Para felicidade, plural ou singular. Eu fracasso concordâncias, fracasso a língua, fracasso a im-projeção de palavra e vida. Não visto vestes panos ou felicidades, não sofro por ela entidade tesouro. Fico na sacada, não estou a espera. Não nasço para felicidade, se fosse assim não seria eu ao que me trouxe ao fim em mim. Não há intenção, pretensão forçada a peça de ser feliz. Há um destino, sina, tino, palpite e vírgula. Palpito e pulso. Não escolho, não aprendo, não caixa, não não, não fórmula, não espero. Ser sou seu ser, sou ser a espera o eu de mim, um eu para mim. Não… Escrevo.
Não há nada de meu em lugar nenhum.
Não há meu em lugar nenhum.
Não há meu e lugar nenhum.

É para o destino engolir jorros e água de chafariz, irrigar o pranto de não sofrer, de reparar e ver que não tem sonhos ou buscas desenfreadas que freiam um talvez existir. A voz e a vez, um alguém que não está para ser feliz. Procure o texto, o título, a data. E a mala? O que fazer com a mala?... Quebrada, de rodas tortas e alças penduradas. 
Respiro.
Eu desisto.
E canto e embalo o último fracasso, a palavra escrita com x. 
Eu fracasso.
Eu desisto. 
Não há hoje fim de tarde mais lindo, não há cor, amarelo mais pálido. Não há vento tão vento desfeito. Sem trégua, sem livro, sem destino, sem origem. Não há tal vento se não em vias veias de um jeito sem jeito por onde se diz. Sorri agora, é quase o que declamo, eu fracasso e não sei quem chamo.
Mas continua, continua sorrindo que eu finjo… Eu finjo que não estou só, que não é quente o abraço, que não faltam braços onde seguro enquanto deslizo e boio. É o fundo. É o poço. É o eco. A palavra torta que se arrasta. 
As pernas tremem. Caio, seguro o que treme, um pano trapo de criança que não dorme. A coisa que inventa… um corpo… talvez um corpo sem memória, o fracasso da glória quando escrevi que escrevi aqui. Um corpo dormindo que se cobre. Um pano trapo da criança que puxa o bico, morde o plástico, faz barulho repetido… Não sabem se dorme. 
Guarda.
(...)


18.07.20
19.07.20
20.07.20
29.07.20
02.08.20