Na minha mão…

Estou cansada...
Tão cansada do vazio que resolvi varrê-lo…
Deixei que as lágrimas corressem e com elas reguei flores, molhei paredes.
Dos passos incansáveis recolhi pedras no caminho. Cansei de vê-las chutadas, arremessadas, como se nelas o golpe não fosse sentido. As pedras sentem...
Abri janelas do vazio escuro. É manhã de sol, na ponta dos pés prendi a cortina, deixei que a água se aquecesse… Havia a luz e os pássaros nas antenas, nos telhados, havia canto e bicar. Galhos e ruídos, patas, cabras fazendo o próprio trilho.
Como não veio eu escrevi, abracei o riso, pedi para aproximar. A claridade dos olhos…
Cansada de refazer caminhos. Inventei um outro.
Fechei os olhos, peguei na minha mão, viajei onde fotografias não chegam. Foi lá que beijei a conversa com cães, os olhos dos cães… Os meus olhos nos cães…
Pintei a mesa, ajeitei a toalha, as cores nos pratos, os tons e as réstias nos copos.
E as outras lágrimas que verteram foram para dar gosto no garfo.
Eu que não sei cantar, escancarei o vazio e fiz uma canção com o silêncio, entreguei à proteção do livro… Quem sabe, se um dia for... Alcance os dedos de quem aparece no sonho.
Eu não esperei.
O peso escuro que caiu no peito peguei nas mãos e embrulhei com o amor inventado, embalei com a criança que gesto dentro, uma luz sem forma, sem preceito e sem medida. Uma voz feita para durar.
Enquanto correm ajudam a empurrar o vazio escuro para longe, puxam em mim panos coloridos, a voz amigo, tons a serem vestidos mesmo que o corpo doa…Cada lágrima que continua correndo tem uma direção a percorrer. Só elas sabem para onde vamos, para o que vamos desaguar, para qual onda do mar. 
Estamos cansadas dessas ruas, dos horários, do tempo como chegada. E então nós rimos às gargalhadas de brincar de amores reais, ponte retalho. Escrevemos cartas, diálogos, encontros… (re)encontros... E os nossos abraços estão nos cães que olham aos olhos. Nos olhos abraçamos, já não estamos sós, não mais…
Sóis...
No topo do mundo os pássaros abriram as asas, levaram-me junto. Sobre telhados as lágrimas voaram. Fechei os olhos, fui coberta com o calor doce do sol. A maior paixão vivi ali esquecendo o buraco vazio, deitada nos ossos ocos dos pássaros de asas plenas. Andar do mundo… E com as páginas fizemos aviões que nos levam a provar o gosto das nuvens. Desfiz a sede. Estou na direção. Desconhecida.

Dei-me a mão.

A pele é bonita tem cheiro de mato, os olhos calmos onde a floresta está segura e os contornos das pintas são cada vez mais delicadas.

Segurei na minha mão. 
A volta ao mundo, o mundo dentro da nossa volta…
A conversa com as reticências, o ar do silêncio,
O vento…
O vento arrastando para fora o que não é nosso meu movimento.
Toda a luz das cores que em nós se inventa…
Está voando...
Os abraços, que não contam faltas, inventamos andando em contramão, desenhando. Eu lágrima.
Na nossa volta, as frases que espalhamos em muros, pássaros que recolhemos para adormecer em outros mundos. Pássaro que esperamos no domingo depois da manhã… Na vida que esperamos vivendo sem amanhã, sem degraus, graus, sem acúmulos… 
Só nós.
Caindo, lavamos os trilhos, sopramos a poeira e ficamos para ver como era brilho contra o sol, no ar sem gravidade. Sem fronteira. O amarelo no ar, um pedaço de brincadeira, uma roda girando, nossas raízes, nossa areia.
Ao redor o cheiro florido, balanço, o verde estado renascido.
Sopro,
sopramos o vazio adormecido. Dorme tranquilo...
Porque a tarde respiramos e no sol contra parede 
Voamos...

Esquecida das horas que são, deitei na frase e ri. Estávamos em nós.
Eu ri...
Estamos em nós, ouvindo a voz da semana passada.
Todo amor que corre em nós.
Todo amor que corre em nós.
Todo amor que corre quando a lágrima corre, quando o pássaro abre as asas e as cores jorram e não mais me recolhem. Refletem… No azul inventado do céu a mudez dos aviões. Reflete…
Reflete esse amor imenso que sente agora...
Aqui,
Só, repleta, plena, cheia…
É vida o que corre,
E verso que não se encolhe.
É inspiração.
É a tarde feita para me viver.
Os sonhos e as danças invisíveis, todos os amores que esperam me colher.
É fruta poema, o doce gosto que escorre da minha boca.
Na minha pele.
Eu pulso.
E esse riso pouco não é pena
é puro…
Sou eu em mim
Uma palavra tarde que está...
Eu lágrima
O repintar das cidades invisíveis
As vestes recortadas…
Nossos rostos, nossos céus, nossos amores.
Os beijos que molhamos na mão.
Os abraços braços que não faltam…
Fomos salvas, o dia de sol,
nossas mãos.


29/01/2020