Nada

nome cego.
estraçalhado limite.
se entender perco...
a compreensão.
acho.
me perco.

Eu que não sinto saudade
Sinto
Recente
tarde que termina cedo
esfumatura de lua que lá longe...
Lá longe,
Esboçada em pedaços de nuvens,
Guarda o mundo...
Que lá longe esquece a continuidade...

Eu 
não entendo
Se entendo
Não escrevo.
Nunca entendo
nada
por isso [talvez] não fui boa aluna... 
do primário à faculdade 
(só) acumulei chaveiros...
Não dizem nada
Vidros vazios rotulados.
No espaço
Sala de aula viajava
nos calçados embaixo das classes
enferrujadas…
viajei.
Viajava,
Mapa colorido 
Pó de giz...
Distraída...
Distraída de histórias  que deviam
faziam
cortar a ponta da folha que não escrevi…

Eu que não tenho vontades
Tomei o telefone
- Raridade -
Para ouvir verbo (in)conjugado
Do outro lado:
sono desperto
luz acesa...
Janela minha aberta
A porta trancada do avesso.

Em que linha começa a poesia?

Perdida mata densa
A última árvore a reduzir.
Carvão.
Escondi.
E no passo próximo
será cair
na vala
no buraco da casa
na lavadora
no ralo
no olho do rato...
no próximo passo
a linha asfalto
ir vir
ver...
[chamam de mundo
realidade
(eu não sei o que dizer)]

eu não digo nada
não tenho palavra
abaixo os olhos
espero o mundo cair em mim.

ritmo
ritmo
ritmo
há um som vaporoso no ouvido.
ritmo
ritmo
ritmo
há um sopro vagão tremido
abafado na solidão eu do infinito
infinito infinito infinito
eu tento invento
acompanhar
o trilho
das notas do piano
piano
piano
piano
piano nos ouvidos
trilho
trilho
trilho
a linha reta que sigo
a linha reta
quatro dias da semana
linha reta quatro dias da semana
trilho
trilho
trilho
piano.

É cedo,
ainda tarde…
Ouço lá longe
do outro lado do mar
o som caminhando.
Não vejo o caminho
enxergo os passos
a linha
subida.

A mesa está posta,
a porta empurrada,
Cachorra querendo entrar.
Água
chaleira avivando chama,
pó,
saco de pano,
esperando, esperando
Chiar
Chiar
Chiando.
Vapor levanta
Linha torta
curva
desnível.

lá…

quase senti falta da falta que sinto de estar só
lá...
onde tudo e sempre é gente.
onde talvez exista eu… 
(que não é verdade)
fechar as janelas e as portas
abrir as horas do sol
como se não houvesse ninguém
Só…

Só para estar só...
No silêncio que se aparta
Pedindo
Dizendo -
Sente.
Nada há para entender
Tomar
prender.
Sente
Não existir 
Só. 

Sinto saudade 
vontade
O falso inverno 
no hemisfério inverso
o frio que não dura
a cura do olhar do outro lado da mesa…

Na ponta da mesa 
A distância é uma invenção
Que não acredita em mim

E a fome
de Nada apetecer...
Na boca nem gosto
vago Nada
Nem vontade ou beijo…
Vontade era outra
Era doce a bochecha
Herdada.

Para...

Agora...
Por favor
fala comigo
para mim...
Não,
não fala comigo
Fala... 
Eu (não) existo.

Por favor
olha pra mim
olha pra mim
e diz
que sou invisível...

olha pra mim
e diz...

Não diz…
Eu não entendo

Eu não compreendi
Eu não entendo
Nunca nunca vai ser assim…

Olha pra mim,
Eu existo?

Eu que não existo...

Mas
Agora
Para aqui
e não insista
não desista
finja eu existi.
me olha
não, me vê
me olha sem crer
que um dia eu existi…
([{pra mim)]}

Linha reta
piano
pano
tapete.

Alcei
risco fundo
solitário
vazio
vago
indiferente.

Recolhi
eram meus
os ombros num canto da casa
um canto dos livros
um canto da sala.
Não era preciso
eu não existo
não existi

Mas olha,
olha dentro do vago vácuo vazio
nada de mim
Olha pra mim e me inventa.
Me faz cria
Porque eu existo.

cores
tons
inversos
- durmo de menos
noites a reparar linhas esfumadas a luz
escorregada nas paredes
janela aberta
o céu sem tempo
o silêncio do barulho de chuva.
silêncio
existi
Existir...


26.11.2019