1. tentativa: semáforo fechado lida ela na linha nos dedos do crochet anúncio o companheiro entre os carros paçoquinhas e guardanapos nas ruas cruzadas o cruzamento das pernas dos freios da fachada dos fechos o dia depois do sábado na música e nos cheiros violino e cordas sem braço a música de quem vê o desalinho nos passos na sombra gelada da banca de livros risos discados discos quase caros descarados amigos e o boné movimentado vermelho símbolo terra amém um homem fazendo crochet uma banca de fotografias a venda de nostálgicos dias neblina cinza por menos de um minuto a conversa do fotógrafo tímido da cidade nas cenas do inverno preto e branco digital e analógica o fim próximo depois do almoço em paralelepípedos o feirante que foi ao banheiro sem gritar preço o namoro entre Remington Olivetti e Olympus Voltar com fome segurando bolsos sem briques não ter comprado nada e voltar com tudo no Uber de uma mulher um poema escrito 2. tentativa: No semáforo fechado, o caminho se abre na janela do carro, o meio do asfalto, a esquina e a mureta, ela une os pontos nos dedos enquanto ele remodela a trama entre os carros anunciando paçoquinhas ou guardanapos - lembrando aqueles que estão na gaveta da mesa. É o dia depois do sábado, o dia dos… de sol, vento gelado, mão na geladeira, grito sem feira, silêncio, um trilho de andar mais quieto. Os parelepitedos escutam música, não tem grito, peixe fresco, salada murcha, provinha da fruta, docinha docinha… Anda-se encasacado, uma réstia de sol e quadros pintados, quinquilharias, costuras, guardanapos de mesa desencontrados. Muito do mais do mesmo, cada um do seu jeito. Versos escritos no banco de trás do carro. 3. tentativa: Escrevi um poema com título “da feira do largo”, dois pontos e a descrição de um domingo. Sol e frio, dia festivo e uma mulher que na esquina de um cruzamento, no tempo em que o semáforo fecha, não nota, continua o feitio frio do barbante do crochet. É seu companheiro a tramar os passos entre carros, vai vasculhando possíveis interessados em paçoquinhas ou guardanapos. Da mureta, às vezes ela para, descansa olhando como se houvesse um destino, seus olhos correm de passagem por entre carros e ônibus, o fio passando na agulha juntando buracos. Tirei a foto e o sinal abriu. Cheguei na feira de domingo e caminhei, acelerada ou estranhando, querendo fazer entender a intimidade num tom blasé desprendido. Mas se desse sorte até levava a Olivetti Lettera 82 ou uma Olympus 0M-1 que não encontro... Encontrei um bule de porcelana, não era caro, feito na pintura de pássaros e tons de furta cor. Não comprei, é que houve a desculpa da dúvida, do malabarismo da mala já pesada de livros. Não levei para afirmar o óbvio de quase sempre me arrepender. Ficou para a próxima, quase sempre fica… Voltei pra casa, não a minha, do jeito que fui, nada comprei. Na sacola de pano, o telefone e a carteira. Ainda assim, carregando um tanto, o mais de tanto um poema escrito no banco de trás do uber de uma mulher. Carregava-me um poema tramado no fio do crochê retalho nas ruas trancadas da feira. Mas o poema escrito, agora estranho, assim sem jeito como se dito não fosse dito, escrito de um jeito não direito. O poema leio e releio e parece mal feito, desfeito num trecho de volta, um domingo ensolarado, já gasto de tanto ser dito da mesma palavra, quase bonito demais. Assim falta linha, sobra verso e mais versos que, abandonados no banco de trás do uber, voltam para alguma linha escrita do avesso. Enquanto o poema e a descrição, abandonados. Retoma-se da vida a poética do esquecimento. E ela continua, tramando guardanapos num domingo de sol no fim da linha… 4. A beleza frágil encontrada num cruzamento humilde não foi capaz de caber na complexa narração da gramática ajustável aos fatos ou aos verbos de ação. 18.08.25