“Adoro sentir o cheirinho de café”..., ela chama a moça para dizer. E a moça de batom sobre os lábios finos sorri, alimentando a conversa de segundos, desatendendo a lógica do servir. Seu sorriso ao meio é como sabe sorrir por entre um fiapo de conversa se puxando, desfazendo a trama dos fios do pano da manga reconduzido a ser toalha de mesa numa mesa de madeira sem guardanapo nem pranto… Dividem elas assim o café, ainda ali quieto, em espera, até que as notas pronunciadas da xícara se farão erguer da mão. E a quiche, uma sua já velha conhecida, dos cogumelos, chega na mesa bufando de ar que verticaliza um respiro de massa e poros de calor. É domingo, é uma tarde num domingo numa cidade de mar e mata e ruas e ruas sem saídas, onde alguns cafés se aquietam fermos durante alguns anos, talvez alguns tantos anos. Nestes lugares chegam fins de tarde e tardes de domingo e com eles vem rostos que registram tempos idos e aqui vindos e o verão se aproximando - nem sempre aos poucos. Nestes lugares há hojes de raios exaltados e sol exagerando, ultrapassando os panos, os chinelos se cansam e muitos deles se casam. Neste lugar vem muitos chinelos que aqui se encontram para voltar juntos para casa. E por entre as mesas dos meses que vão sendo ocupados pelas convivências das tantas vezes de uma suposta pessoa só, enganados foram os que escreveram as figuras solitárias, acompanhadas estão de tanto. Janela ou fim da tarde, um falador café de mãos dadas no enredo de hábitos e habilidades de distrair a vida mostrando o cheiro do café em tantos tempos, narrado do futuro imaginado num passado brincado que vem trazendo mil outros, aos milhares, ao tocar na mesa de um tempo ainda não nascido no tempo verbal. Este, coitado, ainda capenga faz o seu melhor. É tentado no exercício de flexionar e estender, elástico como um volta a mais no cabelo. …Um gesto simples do que é leve, pesado de manteiga os cestos. Mas e daí? Eles conversam mastigando um estar que se demora e se demora. Tal o fluxo das esquinas e ruas e ruas e padarias dos sonhos enxergados nas esquinas de uma casa antiga fechada, os pedaços dos espaços do tempo andando o bairro nas idas vidas do supermercado, os goles de café perdendo os anos e os relógios e o tempo com a letra t… Copos altos de sucos e chás gelados, uma tradição por esses lados. Na mesa desenhada de palavras, a borracha vai apagando os lados limites que compõem o arquipélago de mesas, mirando horizontes de telas do nem sempre separados. Olham-se os pratos, reparam-se os garfos, admira-se o silêncio discursivo dos modos e o mastigar lento do calor na boca, a textura de sentar-se e se demorar abrindo um estalo, às vezes olhando para o lado. O tato contato num lugar nem sempre pronunciado: tal o molde e uma pequena xícara de expresso lembrando um lugar em outro espaço expressado, imprensado e refeito em grãos soltos dos dedos curvando-se de poemas de um sei lá onde… Nela, as palavras que não põe no timbre escrevem o garfo que nela pega e certa indeterminada alegria que também é dela... E que se torna de tantos. Outros em quem, sem saber, esparrama a alegria de sentir o cheiro do café. RJ - 26.10.25
