Sobre ela…

Apagar a lista dos itens do supermercado…
Sobre ela escrever 
as ideias apagadas, roteiros passantes ao lado, acomodar em frases esquecidas, aquecidas entre rosto e travesseiro, as frases esquecidas...
Ficar, abandonar o abandono da desistência ou da insistência, cuidar em deixar a ideia do romance, a página pela metade e as metades das frases.
De lado…
Um pedaço de maçã na geladeira, o bolo congelado, o papel amassado sobre a mesa, a cueca e os sapatos pontuando um tropeço no caminho do fino corredor. O casaco vestindo a cadeira, as receitas e a lista de alguma coisa dobrada, o fio dental e o carregador. Línguas da casa num dia, detalhes vistos da rua saudada em bananas cruas, impronunciáveis na mastigação… Lápis do plural e a ponta grossa singular perdida na ponta da tradução das palavras novas e a madeira da mesa saudada em teclas de piano. A música soa narrando as frases… do esquecimento?

Coisas sobre o espalhado, aquecidas em fogo lento, decantadas. O que vira era é o depois… Não se apagam com borracha nem somem somadas a passagem do tempo, velhos jargões. Diluem-se e ressurgem na palavra condicionada a inexatidão de sua forma... A insônia abençoa a decantação dos esquecidos e melindrados que saltam feito pipoca que a panela e a chama sem fogo inquietam-se em não conseguir. Os textos prontos que não se concluem e os supostos combinados que ficam à espera e esperam para não acontecer. Esta é a existência que lhes cabe, não lamentam, vivem a calmaria da frase sem complemento, feitos, completos em sua suposta incompletude.

As madrugadas acordam mais cedo, os olhos secos de areia em sal abrem-se de pensamentos que perambulam pelos ruídos da sala. A porta aberta do quarto, o tropeço do calor da cama na descida, as peles que vão se desfazendo do rosto e o engasgo na garganta, a dor de cabeça latente dos anúncios de terceiros, tempos verbais alheios. E a marca cicatrizada do tempo que foi passando, passando, passando como sinônimo às linhas seguintes.

Ações dos mesmos discursos, os eleitos letreiros de um cotidiano capenga - entre tantos outros possíveis -, chamado no que não vou chamar, cenário de concreto e latão nas frases mesmas de sempre para remontar um outro cenário. Não. Qual seria o despropósito? Na pronúncia a acentuação continuava errada.

Entretanto, ainda ali buscou vasculhando entre um antes e o agora o amarro da conclusão - pontuação falhada... Como poderia contexto sem texto?
Solta-se do simbolismo da conclusão. Dessabia e fazia silêncio, enquanto o texto, ainda ele sempre ele, nascido da luz. Renascimento não… Renascitura. O ser, qualquer um, ao mais simples acontecimento. 

Por hora ainda é verde o caule, pontas duras, se segura do que não consegue ser outro que há de ser.
Por hora noite vai, contexto vem… O texto nasce, matura ao maturar-se até se desprender e deixar-se…

A doce amora da sonolenta insônia nas arestas da massa da fome inventada. Dali a vontade de comer, alimentar-se do mais simples e completo pedaço da sensação. Até cair será deixar como se abandonadas fossem as ideais, as frases, os resquícios sobrados de contextos, o texto narrado pela insônia que borbulha as frases dadas e apagadas, servidas à existência que existiu e que depois se arrastaram sem peso, leves e ligeiras ao seu sonho transcendente. 
As letras dissolvidas no abraço do ar. A vida na frase feita e apagada aos silêncios absorvidos observados, observantes, sorventes das palavras que fazem sombra e tempo. Os olhos da madrugada refazem as palavras com sal.

RJ - 02.10.25 - madrugada