Pedra na janela

Sal, páprica, todos os temperos ali. A pedra da rua bate no vidro. 
Pela estrada perdeu-se o dia, o rastro do tempo, o lastro do pulso, o contratempo. O compasso é dado pelo grito, um quiabo caído, um pontinho verde no mar de asfalto, batucado nos pés sem saltos e tantas vezes sem saldos, salgados, saudando, suados, brincando de dançar a compreensão do que chamaram loucura. Ele ri, esfarrapado, ele ri ao que um dia pode ter sido chafariz, ele ri e dança enquanto todos ao redor, todos ao redor olham para o lado, esperando afoitos pratos fotográficos e devorados, ou nem tocados... Nas solas todas as democracias. 
Maquiagem escorrendo, gotas salgadas equilibram a temperatura da chapa, a fumaça conta sobre os corres e os comes aos cheios e aos cheiros.
Na sensação de reconhecer o fato, a vergonha de fazer do outro a denúncia fotográfica, num canto os filmes e as lentes do grudento chão... Pensaram a imagem, o poder falado das imagens, falaram, falharam, olharam, enxergaram, tropeçaram os travessões nos travesseiros da reparação pluralizada…
Olha para o alto, um violino em paredes pichadas anunciará resistências e solturas, anunciará retornos e silêncios. Anunciará sem pronunciar poesia…
Ladeira acima, catedral de esquina. O popular que deixa de ser feira para virar turística. Um pastel aumenta a fila e um pedido vira discurso contra a injusta injustiça de pedir, o pertencer dos impertencíveis e a intelectualidade com óculos exclusivos escreve a coluna do mês. A fome passa, a vontade agride. A injusta logística… De pedir.
Um largo no escuro, o curto passo pro lado, um corredor de vais e vens, os vãos de olhar pro lado. Bate no braço, pisa o calcanhar, tropeça, se choca. Quer o pastel, o caldo, a refeição, a cerveja, a música, brincar com as flores e fotografar.
Na chapa misturados, gente, cores, origens, antes do passado, palavras, ancestralidade, celestialidade ou celestiais idades, os deus, os mares, os ritos, os conflitos fritos, os sacos pretos, as latas, as estampas dos panos coloridos, os linhos disfarçados, os sintéticos fingidos. O doce derreta o de repente na moda amolada da maçã ao morango enquanto as clássicas bananas despretensiosas nada tencionam, descansam soberanas numa branca extensão longa, diametralmente horizontalizadas, deitam-se sobre formas plásticas agarradas a uma suposta madeira verde. Um banco onde ninguém mais sentou… 
O que passou quando só o ninguém viu sendo ninguém que pode ser?
Quando a festa chega ao fim, a que se perdeu pela estrada contará seus lastros e lendas, os mitos serão depostos no discurso mudo de uma estrada perdida na pedra que bate na janela de um céu destelhado.

RJ - 28.07.25