Não ouso intervir a manhã que se silencia estranhamente, bate o vento sobre as plantas molhadas do amanhecido úmido de um quando havia considerado ler em voz alta. Aquieto para não alterar a cadência, quando os pássaros não chegam e cantam longe e quase tarde os pedreiros já subiram as escadas, chinelo nos dedos. No meio tempo, no meio termo entre perto e longe o granular da areia remexida numa suposta pá, instrumento de construção do qual desconheço uso, imaginado pelo rumo da areia com a água, uma interlocução construtivista. Uma conversa construtiva, destoante das árvores arrancadas da utilidade das sombras. Há limoeiros ainda na Palestina? Cesso o livro em andamento nas metades ansiosas de querer terminá-lo e continua a leitura por onde os olhos não caem. Inquieta a mente que ao correr dos olhos se perde, vaga mais longe, adentra por outras páginas, estas sem folhas e sem caneta, sem formulação de letras ou palavras erradas. No canto dessa mesa de silêncio e dias sem rostos, provo os óculos velho, imagino o rasgo do cabelo, perco cabelo demais e os olhos estão fracos, secos, não como as noites que se perdem no supetão do elevador mal pensado como o ar condicionado da sala de cinema. Os óculos caem do rosto, quase sempre caem, ando um passo e volto pra trás. Uma fita K7 que se enrola ao rebobinar - o tempo, os rumores, as gravações, a história, a época -, o contrário engasga Nesse canto da mesa, olhei para uma grande parte do tudo que foi escrito e é relido em dias finais da semana sem dias e sem finais… O que foi escrito sem que pronunciasse, sem que fosse régia regida ou regimento da materialidade comprobatória da imaginação com as palavras. Apenas foram. Gosto cada vez menos da palavra eu. Que apago, invisibilizo sem drama e sem pudor, sem receios ou medos… Ne besoin pas dire… De repente, o tempo em que uma palavra só é quando separada de uma outra que lhe contribui o sentido - e o que é o sentido? - de repente - a arte essa função enigmática de beber água e respirar, voa, permeável, molhada, misturada, movediça, indizível e indizente, sem palavra. E no entanto tentada, ao ser dita nesta simplória manifestação de palavras. De repente, talvez eco, ou não. Talvez como se sendo não fosse mais resultado ou resultante da aferição de sua importância desimportante na palavra arte. Talvez como uma flauta de plástico encontrada entre quinquilharias e badulaques das expressões coloquiais e terminologias pensadas. Fecho os olhos, subitamente o que me pega é um mato verde, alto e brilhante, feito de sol, mata, um templo onde o mestre está sentado de olhos fechados, as mãos repousam sobre os joelhos, sem força, entregues. Um semblante desconsiderado de si mesmo repousa nas formas e acomoda-se sem elas. Vejo cores, laranjas quentes, raios de um sol que não agride. Adentrando, esquecendo de pensar, tentando unir-se ao passadiço das cores que se cambiam sem, sem rastro, sem… A vassoura empurra água, o café ainda na xícara e esses subterfúgios para dar tempo ao pensar que se despensa, que acontece quando… Sobre a arte e essa sensação de um ontem entre fim de tarde e noite… De que a arte deixou de ser importante, deixou de ser… Mas e quando as palavras da arte deixam de ser e as expressões da denominada ou dominadora arte… O que está dito no dito? E o que está não dito ao mesmo dizer? A voz na primeira linha e lá em cima, no concreto, as pontuações das válvulas e dos chiados. Em breve, é possível prever, a manhã vai acordar com talvez ou de repente, pisos quebrados e furadeiras. E no proveito dos rumores, ainda sem particulares partituras, unir-se-á aos instrumentos da semana o aspirador sugando seus restos. E talvez, num próximo passo enrolado de fim, da fita K7 a escrita cesse, talvez de todo ou apenas, a imaterialidade da vida escrita quando acontece… RJ - 25