Segunda carta para Pedro…

A primeira vez que escrevi para você foi há cinco anos atrás. Eram palavras que se arriscavam em apresentar um mundo para um mundo que estava prestes a chegar. As minhas frases eram uma cápsula que guardava o ar respingado de um mundo in-dimensionável que se preparava enquanto aquele ser chamado Pedro também se preparava.

Eu me assustava com a ideia de que ali fora o mundo pudesse assustar você. Mas depois eu aconchegava-me nas cores das árvores e do céu, no balanço dos galhos e dos varais, no barulho das águas e dos pássaros e então, por um momento, eu sabia que existiria um lugar bom para embalar você.

Há cinco anos e um dia eu estava sentada num cantinho do quarto, de frente à janela. Olhava para o relógio e perguntava aos ponteiros se você já tinha nascido. Em mim corria uma ânsia, uma emoção nunca sentida antes, uma expectativa de sentir a vida abrindo-se de um jeito outro que não descrevo. Não sei quanto tempo passou até que vi o seu rostinho na tela do celular, todo enroladinho, meio amassadinho. Apresentava-se como Pedro Ricieri e me convidava para ser Dinda. Eu Dinda? Distraída e desligada, ser a Dinda do primeiro bebê que chegou a nossa casa?

Antes daquela manhã eu já amava porque amei você antes de haver um rosto, um jeito, cores e modos, antes da voz, da briga em dormir no meu colo, antes de me abraçar, de correr para me abraçar. Amei a ideia de chamar pelo nome e demorei-me para sentir cada sílaba. Amei antes de qualquer forma, amei na espera e sem expectativa que fosse. Amei só por ser você, como fosse.

Cinco anos atrás vi você chegar, de longe, senti na espessura da tela. Em cinco anos tomei ainda mais distância em quilômetros, não sem lamentar, não sem pensar que você crescia, que haveria festa junina, apresentação de Natal, dia das mães, dos pais. A primeira palavra, a primeira banana, o primeiro passo e o primeiro risco na parede, a primeira ajuda na cozinha e o primeiro banho de chuva, a primeira corrida no jardim. Em cinco anos pude estar em alguns momentos, mas ainda não pude ser eu a preparar a festa de aniversário, como tantas vezes imaginei…

Todos os anos quando o fim de junho se aproxima eu faço projeções e invento tentativas de estar com você, alimento-me com a vontade de abraçar você no dia e dizer “Feliz aniversário amor da Dinda!”. Errei os cinco anos que tentei estar perto. Mas sabe Pedro, existem tantos jeitos na palavra perto… Há tanto perto que é longe… Há tanta perto que é infinitamente mais perto que a noção determinada do que é longe. E no longe, muitas vezes, é onde habita o que verdadeiramente é perto.

Hoje chove enquanto tem sol... Este ano tudo está um pouco além do diferente (nos próximos anos contarei a história). E mesmo assim, eu tentei outra vez, estendi os calendários, fiz conta com dias e horas, tentei esticar e puxar o que dava. Mas este ano tem qualquer coisa de diferente, você percebeu? Sim, você percebeu porque não pode estar sempre com sua melhor amiga, nem ir para a escola nem na casa da vovó e do vovô… Mesmo assim, por semanas alimentei uma esperança sincera de que desviaria as probabilidades e no dia último do mês de junho estaria pendurando balões e cantando parabéns e apertando você. E outra vez não foi. Este ano o motivo me parou do lado de cá, não me deixou chegar nem perto.

Mas isso não me impediu de rever sua chegada, de sentir o seu sopro sobre velas que não queimam, de me emocionar imaginando você girando o globo, encontrando países, marcando o mundo iluminado na tomada. E girando, girando, girando enquanto você cresce do outro lado, sendo o Pedro do meu coração... Outro ano e nada me impede de ver você nos meus olhos, de ouvir chamando “ooooo Dindaaaaaa”, “Dindaaaaaa…”.

Sabe Pepe nos últimos dias fui escrevendo tantas coisas sobre nós enquanto caminhava pela cidade, através da despedida às calçadas, as árvores, aos trilhos do parque, aos pássaros e as flores. Fui escrevendo você e lendo os últimos cinco anos e então, agora eu quase não chego no papel enquanto ouço “Dindaaaa, olha Dinda!”

A verdade é que mesmo assim não consigo desfazer essa sensação de culpa de saber que você cresce sem que eu consiga fazê-lo entender algumas coisas, como de que meninas também são fortes e jogam futebol, que você não precisa ser o melhor, nem precisa saber tudo, que você pode errar e que pode ganhar quem chegar por último. Me choco porque o mundo já quer fazer as caixas e enquadrar e eu… Eu só quero que você seja e voe o próprio mundo… Também tenho culpa por querer corrigir condições que a distância não deixa, não alcança.

Então eu olho o mundo ao redor e eu peço para que ele me recrie outra vez e eu aprenda a mostrar o quanto eu pertenço a você Pedro como Dinda e que eu consiga escrever que você tem uma existência livre que é só sua. Mas que eu… eu vou pertencer a você sempre, como a Dinda que foi para longe. Mas foi precisando, para ser mais perto. Talvez um dia você consiga entender e poderá fazer também eu entender.

Porque mais do que tudo, em cinco anos o mundo encanta mais e a fantasia é real e eu vejo você acolhendo uma gatinha abandonada e teimando até conseguir levá-la para casa, fazendo dela companheira e amiga - e eu não poderia ser mais perto de você naquela gata. E eu sorrio sozinha e estou cheia de amor por existir esse Pedro que tem uma lista de quem mais ama. Eu não estou na lista, mas a Lana… Aquela cachorra gordinha que está cada dia mais velhinha, que roubava o seu cobertor quando você era um bebê só porque queria deitar perto, a Lana está. E então tem você com aquele prato gigante de brócolis e tomate e também tem você dizendo “não é saudável, mas é gostoso”. E outra vez me pego ouvindo você dizer que vai para os EUA estudar inglês e que a Dinda vai junto para cuidar de você. E eu vou. Eu vou girar o mundo com você, eu provo o mundo girando e se reinventando através de você, no meu amor sem tamanho e sem distância. Estou rindo outra vez e a chuva que chega entre música e janela me faz lembrar ainda o dia em que você nasceu, eu só num quarto como agora. Eu incondicionalmente não só, escutando, ouvindo, sentindo… 

Escuta o eco Pepe, é a Dinda dizendo “Feliz aniversário Pepe!” Escuta que a vida é bonita e dela você me traz encanto. Cresce no seu tempo Pepe, não digo para ter pressa ou ir muito devagar, vai com seu jeito porque a Dinda aqui espera para ser uma carta, uma história, uma aventura de procurar no globo, uma aventura para corrermos de mãos dadas logo mais. Porque nem de longe, nem com o mar ao meio eu vou soltar a sua mão de mim.

Pepe, a Dinda te ama…




01.07.2020